Pa�ses emergentes v�o transformar a literatura mundial, diz Orhan Pamuk
Em um discurso que fez a literatos suecos --figuras que, de Estocolmo, comandam h� cem anos a geopol�tica liter�ria global--, o escritor turco Orhan Pamuk falou, em bom turco, que na literatura, como na vida, sempre se sentira "fora do centro".
Ele recebia na ocasi�o o Pr�mio Nobel de Literatura.
Desde aquele dezembro de 2006, suas ideias foram subitamente mudadas de lugar.
Fabio Braga/Folhapress | ||
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O escritor Orhan Pamuk, ganhador do pr�mio Nobel de Literatura de 2006 |
Aos 61 anos, ele j� est� traduzido em mais de 60 idiomas e ultrapassou os 11 milh�es de romances vendidos, com destaque para obras como o autobiogr�fico "Istambul" e "Meu Nome � Vermelho" (que no Brasil acaba de ganhar edi��o em formato "livro de bolso").
Da mesma forma, o que seria a "periferia" de sua obra, seus primeiros t�tulos, come�a a circular pelo mundo. Bom exemplo disso � o lan�amento no Brasil, agora, de "A Casa do Sil�ncio" (Companhia das Letras), obra publicada por ele em 1982 e s� traduzida para o ingl�s no ano passado.
Narrado por cinco personagens diferentes, o romance se desenrola em torno da visita anual que os netos da vi�va Fatma lhe preparam, em sua velha resid�ncia na Costa da Turquia.
Na entrevista a seguir, dada � Folha por telefone, de Istambul, Pamuk revisita esta sua antiga mansarda liter�ria e retoma temas que esbo�ava no sal�o da Academia Sueca. A nova arte, ele defende, vir� de fora do eixo.
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Folha - Woody Allen disse em entrevista recente que nunca voltou a assistir seus filmes anteriores. O sr. rel� obras como "A Casa do Sil�ncio", que escreveu h� d�cadas?
Orhan Pamuk - Feliz ou infelizmente, tenho de reler meus romances quando s�o reeditados. N�o sou como Allen. Tenho curiosidade de rever como eu resolvi um ou outro problema num romance antigo. �s vezes fico com a sensa��o "j� vi este filme antes", mas em outros momentos leio trechos bonitos feitos na minha juventude e sinto que eu era outra pessoa.
� poss�vel dizer que, assim como o sr., seu pa�s � outro do que quando "A Casa do Sil�ncio" foi publicado?
Assim como o Brasil, a Turquia viveu uma transforma��o muito grande nas �ltimas d�cadas. Somos, Brasil e Turquia, considerados "mercados emergentes". Fico irritado com o r�tulo. Prefiro falar em "humanidades emergentes". N�o � s� o mercado que "emerge". Com a consolida��o de uma classe m�dia e o fortalecimento da economia de um pa�s, suas artes e literatura tamb�m se desenvolvem. As manifesta��es recentes nas ruas do Brasil e da Turquia t�m rela��o com esses novos humanismos.
Como as artes est�o ligadas �s manifesta��es?
N�o � uma rela��o direta. Na Turquia vejo com clareza a individualidade das novas classes m�dias. H� 30 anos, esse tipo de insurrei��es seria dif�cil porque havia muita repress�o. As m�dias sociais ajudaram a mobiliza��o, mas o interessante � que a classe m�dia disse que est� irritada: n�o quer ser conduzida por uma for�a centralizada e n�o se sente representada pelo sistema pol�tico.
O sr. j� disse que o romance � uma arte de classe m�dia e que vivemos a prolifera��o de novas classes m�dias. Como esse processo afetar� o modo de escrever romances?
O romance vai se transformar. O novo romance vir� do leste. Vale lembrar que o formato do romance foi criado na Fran�a e na Inglaterra e que quando pa�ses como R�ssia entraram em jogo, com autores como Tolst�i e Dostoi�vski, mudou a arte. Em pa�ses mu�ulmanos, na �ndia e na China est�o se formando novas classes m�dias, com humanismos diferentes. O n�cleo do romance vai mudar, n�o h� d�vidas.
O sr. diz que os romances, de modo bem diferente de outros g�neros, t�m um centro. Qual � o de "A Casa Silenciosa"?
O que faz de "A Casa Silenciosa" um romance � o fato de ter muitos narradores com diferentes pontos de vista e o fato de, por vezes, seus pontos de vista n�o se encaixarem. � o trabalho ou a alegria do leitor encontrar o centro. Talvez o de "A Casa Silenciosa" seja a hist�ria do pa�s e como ela se relaciona � saga de uma fam�lia desintegrada.
O sr. j� chegou a pensar em retomar esta mesma fam�lia ou desenvolver a hist�ria de um dos personagens do romance?
Sim. A que eu realmente imagino que deva continuar � a de Hasan, o nacionalista de direita que planeja virar um terrorista. Seria muito interessante escrever com mais profundidade sobre o pensamento de direita e sobre o terrorismo, sobre o anti-imperialismo, a xenofobia, o despertar da religi�o e o desejo de pertencer.
H� quem defenda que o terrorismo ser� um tema central na fic��o. O que o sr. acha disso?
Acho poss�vel, mas thrillers no estilo John Le Carr� n�o s�o o meu estilo. O que me interessa s�o os humanos, os sentimentos que giram em torno dessa maneira de pensar. N�o quero escrever sobre quantas pessoas foram mortas ou como um plano terrorista foi arquitetado, mas sobre as raz�es pelas quais h� gente praticando estes atos. Gosto de pensar ao mesmo tempo em como uma pessoa destas se relaciona com sua m�e e em como s�o seus momentos mais ternos na vida provinciana.
"A Casa" � o primeiro livro no qual aparece um personagem chamado Orhan, como voc�. Qual a fun��o deste Orhan?
N�o se trata de uma grande estrat�gia borgiana. Tem mais a ver com as apari��es pontuais de Alfred Hitchcock em seus filmes. � um recurso t�cnico, para lembrar o leitor de que se trata de fic��o.
Um personagem de "A Casa" tenta escrever uma enciclop�dia, tema que j� apareceu na sua obra. De onde vem o fasc�nio pelo enciclop�dico?
Se fosse para uma ilha deserta, levaria tr�s enciclop�dias: uma sobre o isl�, uma sobre a cultura turca e a "Brit�nica" de 1911. Verbetes enciclop�dicos � moda antiga estimulam minha imagina��o rom�ntica. Eu os leio e imediatamente crio hist�rias. Por outro lado, tamb�m levava comigo, 30 anos atr�s, meus anseios enciclop�dicos t�picos do intelectual de terceiro mundo, que queria escrever sobre tudo. Ensinar, de modo n�o muito humilde, uma na��o ignorante.
O sr. j� reclamou que jornalistas sempre o questionam sobre pol�tica e que esse n�o � um tema de sua predile��o. Mas "A Casa" tem implica��es pol�ticas, o sr. n�o concorda?
Sua pergunta � engra�ada porque, quando escrevi "A Casa do Sil�ncio", a gera��o anterior de escritores turcos era t�o motivada por assuntos pol�ticos que eu tinha pensado "por que n�o tentar escrever algo apol�tico?". Trinta anos depois, todo mundo diz: "Voc� escreveu um romance pol�tico h� 30 anos". N�o concordo.
Mas e o nacionalista Hasan?
Sim, � o fato de a raiva de Hasan personificar e parecer com a raiva de todos os fundamentalistas antiocidente de agora que d� seu tom pol�tico hoje. A popula��o dos pa�ses n�o-ocidentais n�o era t�o vis�vel naquele tempo. A ideologia vigente pregava que todo o mundo ia ter a cara da Europa. O boom da literatura latino-americana talvez tenha tido rela��o com este momento, uma resist�ncia a uma ideia de ocidente. Hasan, criado em 1982, era ent�o s� um sussurro. Mas este sussurro, somado a outras raivas, ao fundamentalismo isl�mico, ao nacionalismo, ao antiamericanismo, expressava o antiocidentalismo. Este sentimento n�o me agradava. Eu me sentia mais pr�ximo dos valores do Ocidente do que meus personagens. Mas este sentimento cresceu. O que faz Hasan mais vis�vel para leitores ingleses, americanos e talvez brasileiros foi o desenvolvimento da hist�ria.
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