Livro 'Holocausto Brasileiro' relata horrores de hosp�cio mineiro
Francisca dos Reis trabalhava na cozinha do hospital e queria uma vaga como assistente de enfermagem. Foi encaminhada para um teste. Viu uma de suas colegas colocar um peda�o de cobertor na boca de um homem amarrado, molhar a testa dele e acionar a engenhoca.
A descarga el�trica matou o paciente na hora. Seu corpo foi embrulhado com um len�ol e deixado no ch�o. A segunda sess�o de eletrochoque aconteceu em seguida. O homem era mais jovem. Morreu imediatamente. Francisca desistiu de concorrer ao posto na enfermaria.
Era 1979 e os eletrochoques faziam parte do cotidiano do Hospital Col�nia de Barbacena (MG), o maior hosp�cio do Brasil. As descargas eram t�o fortes que chegavam a afetar o abastecimento de luz do munic�pio mineiro, conhecido como a "cidade das rosas".
Luiz Alfredo/Divulga��o | ||
Pacientes internados no Hospital Col�nia de Barbacena (MG), o maior hosp�cio do Brasil, onde morreram 60 mil pessoas, em imagem sem data |
L�, em 1903, o hosp�cio come�ou a funcionar. Foi constru�do nas terras da antiga Fazenda Caveira, que Joaquim Silv�rio dos Reis recebeu como pr�mio por sua dela��o ao movimento dos inconfidentes mineiros.
Ali, 60 mil pessoas morreram. Nos anos 1960, 5.000 pacientes habitavam o lugar projetado para 200. Dormiam sobre capim no ch�o, andavam nus, bebiam �gua do esgoto, comiam em cochos, passavam frio e fome.
O relato dessa rotina de est� em "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, 40, ganhadora de pr�mios Esso e Vladimir Herzog.
"O Col�nia tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes pol�ticos, m�es solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos", escreve Arbex.
Por telefone, ela diz � Folha que tomou conhecimento da trag�dia de Barbacena em 2009, folheando um livro do governo do Estado onde apareciam fotos do interior do hosp�cio feitas em 1961 para a revista "O Cruzeiro". Eram imagens chocantes de degrada��o e abandono.
Arbex, rep�rter especial do jornal "Tribuna de Minas" (em Juiz de Fora), come�ou uma apura��o sobre o caso e publicou reportagens em 2011. No ano passado, resolveu aprofundar o trabalho.
Tirando dinheiro do pr�prio bolso, viajou nos finais de semana e entrevistou mais de cem pessoas em tr�s Estados. Os testemunhos de internos, m�dicos e funcion�rios que passaram pelo hosp�cio s�o a base do livro.
A obra relata hist�rias como a de Ant�nio Gomes da Silva, levado ao hospital quando tinha 25 anos. Aos 68, ele conta: "N�o sei por que me prenderam. Depois que perdi meu emprego, tudo se descontrolou. Da cadeia, me mandaram para o hospital, onde eu ficava pelado, embora houvesse muita roupa na lavanderia. Se existe inferno, o Col�nia era esse lugar". Ele s� deixou o hosp�cio em 2003.
Arbex contabiliza ao menos 30 beb�s nascidos no Col�nia doados sem o consentimento das m�es. E narra o ato desesperado de algumas gr�vidas, que jogavam suas fezes no corpo para se proteger de ataques de funcion�rios.
A jornalista diz que o que mais a chocou foi constatar que "o pa�s desconhecia uma de suas piores trag�dias". Para ela, o sil�ncio de d�cadas ocorreu porque os internos "eram indesejados sociais, e existe uma teoria de limpeza social que vigora at� hoje".
Na sua vis�o, a situa��o em pris�es e em outros locais ainda reflete essa "invisibilidade social". "O modelo da interna��o compuls�ria n�o seria uma reedi��o desses abusos sob a forma de pol�tica p�blica? A sociedade precisa discutir essas quest�es."
A ditadura sufocou o drama de Barbacena, denunciado em 1961 por "O Cruzeiro", e o caso s� voltou a ganhar relevo em 1979, quando novas reportagens e den�ncias sobre o hosp�cio puderam circular.
A partir dos anos 1980, o hosp�cio foi sendo modificado e desativado; pacientes foram transferidos para institui��es menores.
At� 1994 havia celas no hospital. Hoje, o lugar atende v�rias especialidades m�dicas. Na �rea psiqui�trica ainda est�o 160 pessoas remanescentes do antigo Col�nia.
HOLOCAUSTO BRASILEIRO
AUTORA Daniela Arbex
EDITORA Gera��o Editorial
QUANTO R$ 39,90 (256 p�gs.)
Livraria da Folha
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