R�plica: Rico em depoimentos, filme sobre Marighella n�o � neutro

Para fazer um retrato, ainda que impreciso, de algu�m que passou d�cadas na mais rigorosa clandestinidade, lutando nas trevas contra duas grandes ditaduras brasileiras do s�culo 20, o que h� de mais leg�timo e rico � a mem�ria dos que estavam a seu lado.

Digo isso para comentar a cr�tica publicada na "Ilustrada" a "Marighella" --que escrevi e dirigi--, na qual o autor afirma que "o document�rio vale-se pouco de documentos e muito de depoimentos".

Carlos Marighella era um enigma a decifrar. Todos os rastros de sua passagem pela vida foram sendo apagados, ou seria a morte. Restaram poucas fotos e nenhuma imagem em movimento.

Com a colabora��o de Mario Magalh�es, autor de biografia sobre Marighella, reuni depoimentos de algumas das pessoas mais pr�ximas ao l�der revolucion�rio nas v�rias etapas de sua vida. N�o apenas Clara Charf, sua vi�va, mas cerca de 30 nomes.

O filme � a costura dessas mem�rias filtradas pelo tempo, fruto da subjetividade dos depoentes, e da minha pr�pria --sobrinha que sou desse homem que, em casa, era s� um tio querido e especial.

O filme assume esse fato como um dado e brinca com ele. � quase arqueol�gico: uma lanterna ilumina aqui e esconde um �ngulo ali; fragmentos de foto passam fugazes, quase indecifr�veis; ru�dos pontuam a narra��o.

Sobre a ironia � "chuva de elogios", vale um coment�rio. "Marighella" n�o � um filme jornal�stico, objetivo, que busque ouvir o "outro lado". Aqui n�o h� neutralidade --se � que isso existe. Fato e mito se mesclam para criar um dos recortes poss�veis, o meu recorte (que n�o � "oficial"). Isso � afirmado desde o in�cio.

Aproveito para lembrar que esse n�o � um filme sobre a guerrilha, e por isso n�o se buscou "conhecer a intimidade lingu�stica do movimento". � sobre Marighella, que passou apenas tr�s dos seus 57 anos na luta armada.

Em rela��o ao "setor imagem", penso que o cr�tico n�o se deteve na riqueza da pesquisa. Usamos materiais variados com boas descobertas: raras imagens dos anos 1930, uma anima��o criada pelos americanos na Guerra Fria ainda in�dita, um "tratado guerrilheiro" de Godard, um curta de Chris Marker sobre Marighella etc.

E ningu�m "fala em pescadores" nesse filme, como � dito na cr�tica: as imagens de "Barravento", de Glauber Rocha, aparecem quando se fala da valentia do l�der. � isso.

ISA GRINSPUM FERRAZ � soci�loga e documentarista