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Para historiador, singularidade haitiana devia ser mais enfatizada
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o historiador Manolo
Florentino, professor de história na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, "chama a atenção" que a singularidade haitiana esteja sendo pouco mencionada após o terremoto que devastou o país. "O Haiti é o único
caso de revolta escrava que toma o poder nas Américas", diz.
Organizador de "Tráfico, Cativeiro e Liberdade" (ed. Civilização Brasileira) e colunista da
Folha, Florentino lembra que
o país caribenho e a ilha de São
Tomé (atual São Tomé e Príncipe), ex-colônia portuguesa na
África, são os únicos episódios
em que escravos conseguiram
tomar o poder de forma bem-sucedida. "São os únicos casos
na história da humanidade, levando-se em conta inclusive a
escravidão greco-romana."
O levante haitiano (Revolução Haitiana) foi na verdade
uma série de conflitos entre
1791 e 1804. Envolveu a França,
Espanha e Inglaterra. A revolta
em São Tomé havia ocorrido já
no final do século 16, tendo se
prolongado até o início do século 17. Enquanto o Haiti conseguiu sua independência definitiva em 1804, porém, São Tomé
voltou ao domínio português.
Os dois levantes redundaram
na destruição do sistema de
plantações e no estabelecimento de economias camponesas,
com uma sucessão de governantes ex-escravos.
No mundo colonial, os dois
casos provocaram o temor de
novos levantes bem-sucedidos
de escravos, movimento que ficou conhecido na historiografia como haitianismo. "Isso era
muito discutido no Brasil também, a partir da abertura dos
portos, em 1808", diz Florentino. "As elites escravocratas de
toda a América tinha medo. Isso perdurou até 1830, 1840."
Se, por um lado, as revoltas
êxitosas foram precursoras do
fim da escravidão e da independência política no contexto do
antigo mundo colonial, condenaram esses países de um ponto de vista econômico. Viraram
economias camponesas e miseráveis. Como lembra o historiador, no caso do Haiti isso redundou, no século 20, na "cleptocracia" da ditadura Duvalier.
A Revolução Haitiana também despertou o interesse do
escritor cubano (de origem suíça) Alejo Carpentier (1904-1980), que colaborou com o governo cubano na década de 60 e
dedicou à Revolução Haitiana o
romance "O Reino Deste Mundo", publicado originalmente
em 1949. A obra teve uma edição brasileira em 1994 (pela ed.
Civilização Brasileira) e está
atualmente fora de catálogo.
Carpentier utiliza personagens reais do levante haitiano
-como o cunhado de Napoleão, o general Charles Leclerc,
enviado pelo imperador para
restabelecer o controle europeu na região. Mas a obra não
pode ser tomada como uma
descrição fiel do movimento,
pois romantiza figuras históricas e toma licenças poéticas.
Florentino diz que a obra
mais importante sobre o período é "The Cambridge History
of Latin America" (University
Press, Cambridge), organizada
por Leslie Bethell. Essa coleção
ganhou uma edição brasileira
("História da América Latina",
pela ed. Edusp). "Mas a edição
brasileira suprimiu justamente
a revolta haitiana, uma das três
grandes revoluções do século
18. É espantoso."
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