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análise
O mundo é um lugar mais perigoso
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Exceto que o imprevisível
aconteça, a curta guerra na
Geórgia pode ser dada como
encerrada com uma vitória
estratégica da Rússia. Cabe
perguntar: após fracassar, o
Ocidente conseguirá formular uma política coerente na
relação com a renascida
Moscou?
Nos anos seguintes ao fim
da Guerra Fria, o carnaval de
ilusões festivas dos anos
Clinton proporcionou um
modelo de relacionamento
definido pela chamada Parceria pela Paz -um fórum de
debate entre os membros da
Otan e os países que orbitavam a antiga União Soviética.
O clube, criado em 1994, ainda existe, mas só no papel.
Seguros da debacle russa
após a crise econômica de
1998, que coroou uma década de desmonte da ex-superpotência, os líderes dos EUA
e da Europa resolveram jogar no lixo o discurso pacifista e intervir em Kosovo. Impotente, a Rússia calou.
Por todos seus erros, o
choque de realidade do 11 de
Setembro e a política de
George W. Bush tiveram ao
menos o mérito de tirar o falso verniz humanitário da
ação em Kosovo, amplificando o modelo quase ao paroxismo. Não se trata de defesa
do que ocorreu: com a exceção do ataque inicial ao Taleban, é bem difícil achar justificativas para o monstro nascido após setembro de 2001.
Putin
O processo de acomodação
dos antigos membros do
Pacto de Varsóvia à nova Europa começou de fato em
1999, quando os três primeiros ex-comunistas entraram
na Otan. Novamente, a Rússia apenas pôde torcer o nariz. Mas foi 2004 que assistiu
a incorporação de outros sete membros, trazendo a
aliança militar ocidental às
bordas da Rússia.
A essa altura, Vladimir Putin já dava as cartas, e o país
começava a colher os frutos
da alta do petróleo que, ironicamente, se deve em parte
justamente às políticas de
Washington. Tolhendo liberdades, reestatizando a
economia e firmando um
grupo fechado no poder, Putin semeou o solo para a
mostra de força no Cáucaso.
Enquanto podia, a Otan
empurrou suas fronteiras a
leste. Mas a Rússia já estava
suficientemente ameaçadora quando o flerte com a
Geórgia e a Ucrânia tomou
corpo, e a solução foi fazer
uma aposta nas chamadas
"revoluções coloridas".
Só que a Revolução Laranja, na Ucrânia, deu no que
deu: corrupção generalizada,
desestabilização por parte de
Moscou e uma crise atrás da
outra. A Rosa, na Geórgia,
criou o instável Mikhail Saakashvili, que se mostrou um
péssimo estrategista ao dar a
desculpa ideal para o passeio
militar russo em seu país.
Cenário à frente
A relação carnal entre Saakashvili e Bush não deverá
sobreviver ao próximo presidente americano -isso se o
georgiano estiver no poder. A
Geórgia foi perdida.
O Ocidente terá de reinventar seu olhar. Foram Alemanha e França que impediram a entrada da Geórgia na
Otan, como queria Bush em
abril deste ano. Mas teria a
aceitação impedido o de-
senrolar da crise no Cáucaso? Voltaríamos aos anos 60?
Isso tudo é especulação, a
realidade está aí e é outra.
Moscou está numa posição
de força, a Europa vê seu plano energético alternativo ir
para o espaço.
O Kremlin agora está na
posição daquele conquistador romano que desfilava
com os louros da vitória, descrito na cena final de "Patton": numa bela carruagem,
mas com um escravo sussurrando ao seu ouvido que "toda a glória é efêmera". Assim,
talvez movidos pelo sussurro, Putin e os seus irão atrás
de novos acertos de contas, e
o escudo antimísseis de Bush
é apenas um deles.
Como o Ocidente lidará
com isso? O pragmatismo
militarista que o fim da era
Bush prometia reduzir pode
na verdade ter se ampliado; o
mundo ficou um lugar mais
perigoso.
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