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CINEMA / ESTREIAS
Crítica/"Quem Quer Ser um Milionário?"
Boyle força a mão e transforma a Índia em esgoto a céu aberto
Indicado a dez Oscars, incluindo filme e diretor, longa vai mal desde a premissa inicial
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de ver "O Leitor"
era justo imaginar que
nada pior poderia
acontecer. Engano. Depois havia ainda "Quem Quer Ser um
Milionário?", como a mostrar
que o Oscar 2009 busca ser a
pior edição de todos os tempos.
Soube-se que Danny Boyle,
promessa do cinema há pouco
mais de dez anos, quando se esforçava para parecer um Gus
van Sant inglês, ficou ofendido
ao ver seu filme comparado
com "Cidade de Deus". Mas o
que há de melhor no novo Boyle é uma distante lembrança do
filme de Fernando Meirelles.
Com efeito, logo no início há
a favela, a criançada, as perseguições, a fotografia metálica, a
câmera nervosa. Estamos na
Índia, ex-colônia britânica. Seria possível dizer que mais valia
cineastas ingleses tratarem das
mazelas inglesas, que não são
poucas, como a permissão para
a polícia meter bala em brasileiros impunemente.
O fato é que em "Quem Quer
Ser" não estamos em Londres,
mas em Mumbai. Estamos às
voltas com Jamal, o garoto do
chá de um serviço de televendas, que se inscreve num programa de perguntas e respostas
famoso por derrubar os mais
cultos da Índia. Para surpresa
geral, ele começa a ganhar prêmios.
Então a polícia intervém:
Jamal é preso e torturado para
confessar que fraude pratica.
Depois de muita tortura, saberemos, nós e o policial que
torturava (subitamente convertido em ouvinte atento do
rapaz), que cada resposta foi
aprendida ao longo da vida.
Fossa sanitária
Esse é o começo, e a coisa já é
horrível. Para que Jamal ganhe
mil rúpias ou algo assim seremos submetidos a uma das cenas mais desagradáveis da história do cinema: o menino que
ficou trancado numa fossa sanitária percebe que a única possibilidade de ver seu ídolo, um
cantor ou algo assim que acaba
de chegar, é pular nas fezes acumuladas embaixo dele. Ele não
pensa duas vezes: pouco depois
chega triunfal perto do cantor,
coberto de fezes até a cabeça,
pedindo um autógrafo.
Daí sabemos que é bom ficar
preparado: a cada resposta corresponderá um episódio do tipo -e a coisa vai a 20 milhões
de rúpias ou, pior, duas longas
horas de filme. Nesse intervalo
veremos a mãe de Jamal pegar
fogo; Jamal, o irmão e a amiguinha serem recolhidos por um
gângster, que faz crianças pedirem esmola; um desses meninos ter os olhos arrancados para comover os passantes.
Vista por Boyle, a Índia é um
esgoto a céu aberto, moralmente inclusive. Nesse lodo viceja a
alma pura de Jamal, uma mistura do estoicismo do dr.
Kimble de "O Fugitivo" com a ingenuidade de Forrest Gump.
Com ele entramos no terreno
do prodígio. Jamal é puro, bom
e forte o bastante para sobreviver. O que o torna assim? Algo
de sua natureza, ou da ordem
do destino. Ou seja, embora use
a mão pesada para os problemas indianos, a explicação do
caráter de seu herói é metafísica. Jamal passa incólume por
tudo, como esse mundo infame
em que vive não o afetasse.
Para fechar esse abacaxi,
ocorreu a alguém transformar
tudo em musical (é como o filme termina -e não há problema em saber, não tem nada a
ver com a história): é como se a
inconsequência final livrasse o
filme da infâmia. Não livra.
QUEM QUER SER UM
MILIONÁRIO?
Produção: Inglaterra, 2008
Direção: Danny Boyle
Com: Dev Patel, Anil Kapoor
Onde: pré-estreias neste final de semana em 28 salas de São Paulo
Classificação: não indicado a menores
de 16 anos
Avaliação: péssimo
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