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Última moda
Courrèges para o século 21
"Papel do estilista é fazer o futuro", diz Coqueline Courrèges, que revolucionou a moda nos anos 60"
Chanel, Balenciaga, Dior, Lanvin, Saint Laurent, Lacroix,
Givenchy... Quase todas as
grandes maisons francesas
do século 20 comparecem regularmente nos desfiles de Paris.
Mas, para um espectador interessado na história da moda, falta ali um
nome fundamental:
Courrèges.
André Courrèges e sua
mulher, Coqueline, foram os responsáveis por uma verdadeira revolução na moda nos
anos 60. Eles não apenas introduziram a minissaia na alta-costura
(1965), como renovaram a concepção, as técnicas e os materiais
das roupas, inventando uma nova imagem da mulher.
"O "chique" inalterável de Chanel nos diz que a mulher já viveu
(e que ela soube viver), o "novo"
obstinado de Courrèges que ela
vai viver", escreveu Roland Barthes em 1967. A linguagem de
Courrèges era o reflexo na moda
de uma época marcada pelo entusiasmo com as viagens espaciais,
pelo impacto da emergente cultura de massas, pelo rock e pelo
pop, pelas revoltas juvenis e pela
libertação da mulher. Apaixonados por esportes e pelo futuro, os
Courrèges modernizaram tão radicalmente a moda que suas criações e seus métodos ainda não foram de todo absorvidos.
Quem busca a maison Courrèges em Paris tem um endereço
certo: no número 40 da rua François 1er. fica a loja aberta em 1965
e que lembra um cenário de filme
de ficção científica dos anos psicodélicos. Num prédio ao lado, fica o ateliê de criação, um misto de
laboratório científico e estúdio de
artista plástico.
Você talvez não consiga ver André Courrèges, 82, por lá. Há alguns anos ele se afastou da moda
e passou a se dedicar à pintura e à
escultura. Mas certamente encontrará Coqueline Courrèges,
70, a vibrante cúmplice revolucionária de André e diretora de
criação da maison. Foi no ateliê
da grife, com várias roupas extraordinárias por todo canto, que
Coqueline falou à Folha sobre o
presente e o futuro da moda.
Folha - Por que a Courrèges não
participa dos desfiles em Paris?
Coqueline Courrèges - Desfilar
ou não, este não é o problema. O
que precisamos fazer é uma análise total do que se passa hoje no
campo da costura. O mundo da
costura foi absorvido pelo capital
financeiro. Aquele que se envolve
com este mundo quer, hoje, ganhar dinheiro antes de virar costureiro. Seu objetivo é se tornar
uma vedete, uma estrela, ser muito bem pago e ter muita mídia em
torno de si. Parece-me que, depois de vários anos, eu estou me
desligando cada vez mais desse
sistema. Aqui, permanecemos na
categoria "grand couturier"
(grande costureiro). E grandes
costureiros futuristas.
Folha - A maison Courrèges é ligada a algum grupo?
Courrèges - Não, ela é totalmente familiar. Nós compramos todas as ações e somos 100% Courrèges na costura e no perfume. A
isso chamamos liberdade.
Folha - A força do capital sobre a
moda impede o avanço da costura?
Courrèges - A costura é apenas
parte do que acontece hoje no
mundo inteiro: o dinheiro corrompe tudo, quando ele deveria
ser apenas um meio. O verdadeiro valor é a criatividade, a invenção, são as idéias. É preciso que
estas sejam boas e contemporâneas. Eu olho e analiso os que andam fazendo moda hoje em dia. E
vejo que não há ninguém que faça
realmente seu trabalho, pois eles
não são contemporâneos. Estão
sempre envolvidos com reminiscências, em um processo interminável de cópias. Não são criativos,
precisam sempre se apoiar em alguma coisa. Ora, a gente se apóia
em alguma coisa quando está no
início da carreira, como quando
aprendemos a ler e escrever e copiamos os grandes autores. Depois que aprendemos, é preciso
inventar uma história própria.
Eles nem sequer se colocam a
questão fundamental: o que é ser
costureiro? Estão completamente
perdidos. Não conseguem nem se
situar em relação a si mesmos.
Folha - O que é ser costureiro?
Courrèges - É compreender todas as mulheres, pois cada uma é
única e diferente, sendo todas elas
parecidas. É tentar vesti-las em
função, primeiro, de sua época e,
depois, de suas necessidades e de
seu movimento. É, enfim, pensar
à frente de seu tempo.
Folha - Como a sra. descreveria a
mulher atual?
Courrèges - A mulher tem grandes responsabilidades sobre seus
ombros. Quando começamos na
costura, as mulheres em geral tinham apenas um trabalho: o de
esposa. Agora, a mulher tem quatro trabalhos diariamente. Ela
exerce as funções de esposa, de
mãe, faz o ofício da casa e ainda
tem o seu emprego. Nós acompanhamos essa transformação. Nós,
aliás, ajudamos a mulher a se tornar o que ela é hoje.
Folha - Coco Chanel teria dito,
nos anos 60, que Courrèges estava
transformando as mulheres em garotinhas. O que a sra. pensa desse
comentário?
Courrèges - Chanel era um grande "couturier". Era uma mulher
inteligente, que viveu duas guerras e se rebelou, como mulher e
estilista, transformando a imagem feminina e tornando-se uma
soberana em seu território. Eu
gostaria muito de ver costureiros
como ela hoje. Agora, eu me pergunto: será que ela disse isso mesmo a propósito de Courrèges? Será que o jornalista não trocou
suas palavras? Sem dúvida, nós
trouxemos muita juventude, modernidade e esportividade à moda. Mas nunca encaramos as mulheres como garotinhas. No fundo, todos corremos em busca da
juventude. O que se vê hoje é que
as mulheres de 40 anos já não
aparentam ter essa idade, porque
elas têm feito um enorme trabalho sobre si mesmas para ficarem
mais jovens. Não há nenhuma
mulher que não esteja atrás da juventude.
Folha - A sra. quer dizer que Courrèges previu este desejo de juventude de nossa época?
Courrèges - É normal, normal. A
isso chamamos antecipação. Mas
não fizemos nenhuma cirurgia
plástica nas mulheres. Nós transformamos o corpo com um pedaço de tecido. Demos à roupa uma
forma nova para que a mulher
pudesse ficar mais à vontade e
pudesse ser mais livre.
Folha - André Courrèges ainda
participa da criação?
Courrèges - Não. Ele fica em casa, pois tem uma doença muito
pouco gentil, que é o mal de Parkinson. Isto é: embora ele esteja
totalmente consciente de seus
atos e se dedique atualmente à
pintura e à escultura, André teve
seus movimentos alterados, o que
é uma coisa horrível para um esportista como ele.
Folha - A sra. acha que as pessoas
têm a mesma idéia do futuro que
tinham nos anos 60?
Courrèges - Não me coloco a
questão de como elas pensam o
futuro. Nosso papel é fazer o futuro. Por que fazer o presente se ele
já está pronto? Não tem nenhum
interesse. Nós sempre fomos contemporâneos porque sempre fomos futuristas.
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