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CINEMA/ESTRÉIAS
"KEDMA"
Filme de israelense indica falta de humildade no olhar de ocidentais
Amos Gitai mostra dores de conflito que dispensa juízes
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Vivemos apontando nosso
dedo aos israelenses ou aos
palestinos -aos dois, eventualmente-, responsabilizando-os
por mortes, conflitos, destruição
no Oriente Médio.
Com que direito fazem isso os
ocidentais, os góis (não-judeus)?
-essa indagação "Kedma" sugere com insistência. Que sabemos
dos judeus, à parte o fato de nós os
termos difamado, discriminado,
expulsado, incinerado? Que sabemos dos árabes, a não ser o que
chamamos de sua barbárie (na
verdade, sua civilização), seu fanatismo (na verdade, sua crença),
sua natureza intempestiva (na
verdade, seu desespero)?
Bem, esses povos que conhecemos muito mal, pelo viés arraigado do preconceito, estão hoje no
centro do mundo, isto é, no
Oriente Médio, como protagonistas do conflito mais duradouro e
dilacerante da época atual.
"Kedma" não dá conta da inteira complexidade desse conflito,
mas sua riqueza talvez ajude a todos (árabes e judeus inclusive) a
nos recolher a uma necessária humildade, ao tratar desse assunto.
Podemos pensar na última cena, em que um personagem constata que os judeus não têm história, ou antes, que sua história é escrita pelos outros.
No entanto, a cena emblemática
é aquela, bem mais simples, em
que vemos o Kedma -o navio
que traz o grupo de refugiados para uma Palestina ainda sob mandato britânico. Plano sem personagens. Plano sem movimento:
apenas o Kedma no mar, atracado, a errância formidável do povo
judeu em busca de um lugar.
Mas eis que o lugar a que chega
o Kedma, a Palestina, é também
dos árabes. O que lança o povo judeu numa aventura de expulsar
os palestinos para constituir o seu
solo e a sua história.
Há outro momento em que um
personagem lembra sua fuga do
Gueto de Varsóvia e como tentava
explicar aos que encontrava que
era uma pessoa igual a elas, só. A
cena soa irônica agora que Israel
constrói um muro para se isolar
dos árabes -um muro que não
separa pessoas diferentes, e sim
que as torna diferentes.
Mas quem são os gentios para
meter o bedelho? Afinal é o que
nos diz Amos Gitai, filme após filme: as mazelas são muitas, mas
que ninguém imagine que a paz
virá imposta de fora para dentro.
Trata-se de uma história sórdida, dolorosa, que dispensa juízes
externos. Que pede, no entanto,
gente disposta a compreendê-la
-e a isso "Kedma" nos ajuda. Isso para não falar da beleza deste
filme admirável.
Kedma
Direção: Amos Gitai
Produção: Israel, 2002
Com: Andrei Kashkar e Helena Yaralova
Quando: a partir de hoje no cine Espaço
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