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LIVROS
Crítica/"Machado Maxixe: O Caso Pestana"
Wisnik encanta em ensaio sobre Machado e música
Em "Machado Maxixe", crítico utiliza referências múltiplas e formato não-cartesiano
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Pode agradar ao leitor interessado em literatura
e em música no Brasil
um ensaio sobre o modo como
a obra de Machado de Assis lidou com a aclimatação das formas musicais européias aqui?
Não há dúvida de que sim.
Machado, como se sabe, freqüentou em vários momentos a
questão; se o ensaio tomar em
conta "Um Homem Célebre",
relato sobre o dilema irresolvido do pianista Pestana -entalado entre o desejo de compor
como os clássicos europeus e a
vocação de fazer brotar polcas
sacudidas já brasileiras-, estamos feitos, já que nesse conto
tudo gira, dança, em torno a esse tema.
Mas pode agradar este mesmo ensaio se ele não tiver plano
de vôo explícito e, para piorar,
se ele misturar referências teóricas bastante díspares, da história pura e dura do Segundo
Império à semiótica, passando
pela sociologia da arte e pela
psicanálise, mas centrando forças na historiografia e na crítica
musicais? Ainda assim pode, é
claro, desde que haja talento na
passagem de uma coisa a outra,
oferecendo em abundância
analítica o que eventualmente
falte em amarração teórica.
Para ler um conto como o do
desventurado Pestana, pode ter
bastante cabimento essa combinação heterodoxa de conceitos, ainda quando postos em relação mais pela contigüidade
do que por uma estratégia interpretativa de conjunto.
Pelos dois lados cabe o elogio
ao ensaio "Machado Maxixe",
agora publicado em livro solo.
O autor é José Miguel Wisnik,
músico, professor de Literatura
Brasileira, ensaísta de nomeada, que alcança, neste trabalho,
um ponto alto de sua carreira.
No texto, Wisnik usa de suas
múltiplas habilidades e variada
formação para apreciar o citado
conto de Machado.
Encantamento
O ensaio é encantador, no
bom sentido, por levar o leitor
para zonas de pensamento não-cartesiano mediante passagens
charmosas, mas também no
mau, por obrigá-lo a acompanhar o fluxo da reflexão sem
poder medi-lo em relação a um
propósito claro, que não há; assim, sem oferecer clareza quanto ao destino desejado, em parte ele mina as possibilidades de
debate, por não expor seus interesses de conhecimento; e essa omissão, que, repito, tem lá
seus encantos, só se vê quando
se pergunta, por exemplo, pelas
escolhas teóricas mais fundas,
mais radicais. Quais são elas?
Salvo engano, há apenas uma
exclusão e não mais que um par
de afirmações no centro dessa
resposta. O ensaio vai agregando entradas teóricas, mas em
significativo momento bronqueia: "Machado trabalha esse
substrato coberto de tabu -um
tabu sociocultural, político,
econômico, racial, sexual, existencial, cujo cerne persistente é
difícil de deslindar até hoje, e
que a antropologia politicamente correta, tratando-o de maneira unívoca, só faz confirmar
e recobrir". A briga é contra um
inimigo teórico que lê este ponto nevrálgico da cultura brasileira de modo errado; que ponto é esse?
Dizendo de modo breve e impreciso, é a condição mulata,
que Wisnik trata de saudar em
seu ensaio, tanto na encarnação machadiana quanto na maxixeira. Nada a estranhar, então, que as afirmações de afinidade envolvam Gilberto Freyre
(que porém é "apologético") e o
mais citado de todos, Mário de
Andrade, evocado aqui em sua
extensa contribuição enciclopédica mas também em uma
sua interpretação, mais dialética do que a média, sobre a rítmica brasileira, interpretação
que Wisnik aproxima nada menos que da "Dialética da Malandragem", conhecido ensaio
de Antonio Candido.
Que Mario é esse?
As razões de Wisnik são
substantivas e bem apresentadas, o que não impede alguma
argüição -por exemplo, sobre
esta evocação de Mario de Andrade como chancelando a saudação de Wisnik à síntese da
polca amaxixada, quando se sabe que o prócer modernista rejeitou um desdobramento decisivo dessa síntese, o samba carioca, como representativo.
De todo modo, com "Machado Maxixe" temos um passo de
valor no debate machadiano,
assim como na reflexão sobre o
processo da música popular urbana no Brasil, passo que é
marcado por certa celebração
eufórica da síntese modernista
paulista.
LUÍS AUGUSTO FISCHER, autor de "Machado e
Borges" (ed. Arquipélago), entre outros, é professor de literatura na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
MACHADO MAXIXE:
O CASO PESTANA
Autor: José Miguel Wisnik
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 19,90 (96 págs.)
Avaliação: ótimo
RAIO-X
José Miguel Soares Wisnik,
60, é músico, compositor e
ensaísta nascido em São Vicente (SP)
LITERATURA
Doutor em Teoria Literária e
Literatura Comparada pela USP;
recebeu o prêmio Jabuti (1978)
de autor revelação
Algumas Publicações:
"O Coro dos Contrários - A
Música em Torno da Semana
de 22" (1977)
"O Som e o Sentido - Uma Outra História das Músicas"
(1989)
MÚSICA
Autor de trilhas para o Grupo
Corpo, Teatro Oficina e filmes
como "Janela da Alma"; recebeu
três vezes (91,93,95) o Prêmio
APCA de música para teatro
Discos-solo:
"José Miguel Wisnik" (1992)
"São Paulo Rio" (2000)
"Pérolas aos Poucos" (2003)
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