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"DIÁRIOS DE MOTOCICLETA"
Filme retrata viagem de Ernesto Che Guevara e Alberto Granado pela América Latina
Com este, Walter Salles faz seu melhor longa
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
A essa altura do campeonato,
o leitor já não agüenta mais
ouvir falar em "Diários de Motocicleta", Che Guevara, Walter Salles e Gael García Bernal. Pois vai
ter de ouvir mais, já que o longa-metragem estréia hoje no Brasil e
será exibido no dia 19 no Festival
de Cannes.
A palavra "campeonato", aliás,
vem a propósito: há um clima de
torcida a cada filme novo de Salles. O diretor brasileiro mais reconhecido no exterior envolve o
país, e o país se envolve de tal maneira a cada longa, desde pelo menos "Central do Brasil" (1998),
que seus lançamentos são mais
filmes-evento do que meros longas-metragens que estréiam.
Só a madrugada que elenco,
amigos, convidados e imprensa
passaram no restaurante paulistano Spot, na semana passada, daria
um curta -e dos bons. Já o making of das filmagens tanto daria
um documentário que deu, "Travelling with Che Guevara".
Agora, chega o filme em si. Para
continuar na metáfora futebolística, Salles faz um gol. É seu melhor
longa, porque, lidando com um
mito, não cede à tentação de sair
com uma solução mágica no final,
antes oferece um paradoxo. Sentimental, no caso: deixamos o cinema alegres, pensando em tudo o
que Che queria e viria a fazer, mas
cínicos, pois vivemos o tempo depois daquele, em que já sabemos
que tudo deu irremediavelmente
errado.
Em "Diários", há dois roteiros a
percorrer. O primeiro é do próprio Che em sua viagem iniciática
com um amigo pela América Latina, que despertará no jovem de
classe média o instinto revolucionário. É cinema de grande qualidade, e para isso ajudam o roteiro
do porto-riquenho José Rivera, a
fotografia indecentemente bonita
de Eric Gautier e a dupla central,
Gael García Bernal (Che) e Rodrigo de la Serna (como o amigo Alberto Granado), este o grande
ator do filme.
O outro é o do diretor, que a cada um de seus cinco longas vem
reforçando a máxima de Leon
Tolstói e se torna mais universal
cantando suas aldeias, do renegado "A Grande Arte" (1991) ao visceral e glauberiano "Abril Despedaçado" (2001).
Nesse périplo progressivamente
globalizante, não por acaso "Diários" é falado em espanhol e revive o sonho da união latino-americana, e o próximo, o inédito
"Dark Water", vem em inglês,
com atores anglo-americanos e
origem japonesa. Da Central ao
Nordeste, do Nordeste ao Mercosul, deste ao mundo.
Há um problema, que diz mais
respeito ao material no qual foi
baseado do que ao longa em si.
Tanto as memórias de Granado
quanto os diários do próprio Che
o pintam com tintas messiânicas
demais. Assim, mesmo na fase
proto-revolucionária de que trata
o filme, ele não mente, não rouba
e troca as mulheres para ajudar
uma velhinha moribunda.
Mas, como disse Granado à Folha e como reforça "Diários de
Motocicleta" em suas duas melhores cenas -a conversa dos
dois amigos em Machu Picchu e a
travessia do rio Amazonas que
Che faz a nado-, este não era um
homem comum.
Diários de Motocicleta
The Motorcycle Diaries
Direção: Walter Salles
Produção: Peru/Chile/Inglaterra/
Argentina/Brasil, 2004
Com: Gael García Bernal, Rodrigo de la
Serna, Mía Maestro
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Bristol, Morumbi, Espaço
Unibanco, Frei Caneca Unibanco
Arteplex e circuito
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