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Crítica/gastronomia
Crítica disfarçada conta como driblou assédio de restaurantes
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando rumava para assumir o posto de crítica gastronômica do
jornal "The New York Times",
em 1993, Ruth Reichl espantou-se ao descobrir que sua foto
e sua vida já estavam sendo esquadrinhadas pelos principais
restaurantes da cidade. Situação que ela não conhecera em
15 anos na mesma função no
jornal "Los Angeles Times".
Nasceu aí a idéia de como driblar a vigilância de seus criticados: usaria disfarces ousados,
com perucas, roupas e gestos
que ocultassem sua identidade.
A descrição desses momentos, em que a crítica oculta é
maltratada nos restaurantes
(inclusive onde a tratam como
rainha quando é reconhecida),
é a parte mais saborosa do livro
"Alho e Safiras - A Vida Secreta
de uma Crítica de Gastronomia
Disfarçada". É seu terceiro volume de memórias, depois de
"A Parte Mais Tenra" e "Conforte-me com Maçãs".
Se os disfarces são a parte
mais engraçada, não são a única
coisa saborosa. Ela, na verdade,
os utilizava apenas esporadicamente (mas de forma tão intensa que aderia ao perfil psicológico das personagens que inventava). Como em seus outros
livros, Reichl, 56, desde 1999
editora da revista "Gourmet",
mistura o relato de sua vida
profissional -que, para quem
gosta de gastronomia, já é um
prato cheio- com fatos e inquietações da sua vida pessoal.
Escritora de mão-cheia, ela
faz a prosa correr tão fluentemente que logo desconfiei que
todos aqueles acontecimentos
não poderiam, na vida real, encadear-se de forma tão perfeita
e com memória tão vívida (ela
confirma, no final, que deu um
jeitinho nos fatos, o que não
desmerece em nada a narração). Além de acompanhar investidas da crítica a vários restaurantes, alguns dos quais ainda hoje verdadeiros ícones (como Le Cirque, Daniel), várias
delas seguidas das críticas publicadas à época, o livro ainda
brinda o leitor com flashes da
rotina do jornal mais poderoso
do mundo e com receitas da autora.
Curioso ainda é comparar as
situações da crítica gastronômica em Nova York e em São
Paulo. Lá, devido ao peso dos
leitores, o jornal tem uma influência muito mais decisiva
nos destinos de um restaurante
(ou filme ou peça de teatro).
Por outro lado, como diria
Ben Parker (tio do Homem-Aranha), com um grande poder
vem uma grande responsabilidade... Enquanto no Brasil dá-se por feliz o crítico a quem o
jornal reembolsa ao menos
uma refeição, dando-lhe os
meios de sua independência,
no "New York Times" o crítico
é obrigado a visitar o restaurante ao menos três vezes (de preferência cinco) e com mais gente (todas as refeições pagas pelo
jornal), antes de resenhá-lo.
O leitor deve se perguntar: se
é necessário o anonimato do
crítico a ponto de Reichl usar
disfarces, como levar a sério
um crítico que, mesmo tentando ser anônimo, pode ser reconhecido?
Ela mesma responde à pergunta, explicando que a mudança que o disfarce pode trazer é na qualidade do atendimento: já o talento da cozinha
não pode mudar só porque alguém importante acaba de chegar. Também por isso, aliás, as
cotações (com estrelas) da Folha são estritamente para a
qualidade da comida.
ALHO E SAFIRAS
Autora: Ruth Reichl
Tradução: Maria Cláudia Oliveira
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 46,90 (360 págs.)
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