São Paulo, sábado, 01 de julho de 2006

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Crítica/gastronomia

Crítica disfarçada conta como driblou assédio de restaurantes

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando rumava para assumir o posto de crítica gastronômica do jornal "The New York Times", em 1993, Ruth Reichl espantou-se ao descobrir que sua foto e sua vida já estavam sendo esquadrinhadas pelos principais restaurantes da cidade. Situação que ela não conhecera em 15 anos na mesma função no jornal "Los Angeles Times".
Nasceu aí a idéia de como driblar a vigilância de seus criticados: usaria disfarces ousados, com perucas, roupas e gestos que ocultassem sua identidade.
A descrição desses momentos, em que a crítica oculta é maltratada nos restaurantes (inclusive onde a tratam como rainha quando é reconhecida), é a parte mais saborosa do livro "Alho e Safiras - A Vida Secreta de uma Crítica de Gastronomia Disfarçada". É seu terceiro volume de memórias, depois de "A Parte Mais Tenra" e "Conforte-me com Maçãs".
Se os disfarces são a parte mais engraçada, não são a única coisa saborosa. Ela, na verdade, os utilizava apenas esporadicamente (mas de forma tão intensa que aderia ao perfil psicológico das personagens que inventava). Como em seus outros livros, Reichl, 56, desde 1999 editora da revista "Gourmet", mistura o relato de sua vida profissional -que, para quem gosta de gastronomia, já é um prato cheio- com fatos e inquietações da sua vida pessoal.
Escritora de mão-cheia, ela faz a prosa correr tão fluentemente que logo desconfiei que todos aqueles acontecimentos não poderiam, na vida real, encadear-se de forma tão perfeita e com memória tão vívida (ela confirma, no final, que deu um jeitinho nos fatos, o que não desmerece em nada a narração). Além de acompanhar investidas da crítica a vários restaurantes, alguns dos quais ainda hoje verdadeiros ícones (como Le Cirque, Daniel), várias delas seguidas das críticas publicadas à época, o livro ainda brinda o leitor com flashes da rotina do jornal mais poderoso do mundo e com receitas da autora.
Curioso ainda é comparar as situações da crítica gastronômica em Nova York e em São Paulo. Lá, devido ao peso dos leitores, o jornal tem uma influência muito mais decisiva nos destinos de um restaurante (ou filme ou peça de teatro).
Por outro lado, como diria Ben Parker (tio do Homem-Aranha), com um grande poder vem uma grande responsabilidade... Enquanto no Brasil dá-se por feliz o crítico a quem o jornal reembolsa ao menos uma refeição, dando-lhe os meios de sua independência, no "New York Times" o crítico é obrigado a visitar o restaurante ao menos três vezes (de preferência cinco) e com mais gente (todas as refeições pagas pelo jornal), antes de resenhá-lo.
O leitor deve se perguntar: se é necessário o anonimato do crítico a ponto de Reichl usar disfarces, como levar a sério um crítico que, mesmo tentando ser anônimo, pode ser reconhecido? Ela mesma responde à pergunta, explicando que a mudança que o disfarce pode trazer é na qualidade do atendimento: já o talento da cozinha não pode mudar só porque alguém importante acaba de chegar. Também por isso, aliás, as cotações (com estrelas) da Folha são estritamente para a qualidade da comida.


ALHO E SAFIRAS    
Autora: Ruth Reichl
Tradução: Maria Cláudia Oliveira
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 46,90 (360 págs.)


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