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Futebol e pecuária levam personalidades do esporte ao coração do Brasil
A cidade de Leão, Farah e Biro-Biro
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A BARRA DO GARÇAS
O engarrafamento de bicicletas
na entrada do estádio José Valeriano Costa anunciava o evento.
Eram 18h15 da última quarta-feira quando a atração da tarde, o
ex-jogador corintiano Biro-Biro,
chegou ao local.
Chovia fino em Barra do Garças, o que não impediu a queima
de fogos nem espantou os cerca
de cem torcedores e a imprensa.
Biro-Biro, o novo técnico do
Barra Esporte Clube, entrou no
precário estádio acompanhado
do responsável pela sua contratação, o vice-presidente e mais ativo
dirigente da equipe, Eduardo José
Farah Filho.
Centro geodésico (o ponto mais
central) do Brasil, a pequena Barra do Garças, em Mato Grosso,
com 60 mil habitantes, consolidou nesse ato a sua condição de
centro do poder e do folclore do
futebol do país -como se, aqui,
esses dois substantivos não estivessem fundidos.
É lá, a 500 km de Cuiabá e a 411
km de Goiânia, que o dono do
cargo mais importante desse esporte -o técnico da seleção brasileira, Emerson Leão- possui
três fazendas de gado, duas delas
em sociedade com a mulher de
um dos mais influentes dirigentes
do país, Eduardo José Farah, presidente da Federação Paulista de
Futebol e pai do novo vice-presidente do Barra do Garças.
Nas escrituras das propriedades, a sócia de Leão é Josefina
Zampietro Farah, casada com o
dirigente paulista em comunhão
total de bens.
Até chegar ao estádio Zeca Costa, Biro-Biro penou.
Naquela mesma quarta de manhã, viajou num Fokker 100 de
São Paulo a Goiânia. Esperou
quatro horas no aeroporto e embarcou em outra aeronave, um
turboélice monomotor Caravan,
com capacidade para 12 passageiros. Demorou mais uma hora e
meia, boa parte do tempo sob
uma turbulência desesperadora
para o porte do avião, até descer
em Barra do Garças, às 17h55.
Farah Filho o aguardava na pista do aeroporto.
A recepção a Biro-Biro no estádio municipal formava um painel
sociocultural da cidade.
Nem Leão nem Farah pai foram, mas lá estavam Valdon Varjão (dono do cartório, ex-prefeito,
ex-senador, ex-vereador, ex-deputado e autor da lei, sancionada
pela prefeitura em 95, que reservou uma área para a construção
de um aeroporto para discos voadores na cidade, cercada pela mística e lendária serra do Roncador), Zé Poeta (versejador popular, que saudou: "Biro-Biro, nós
gostamos do seu estilo" e "Nós vamos vibrar de emoção, se ele fizer
nosso time campeão, inclusive
seu Valdon Varjão") e Vílson Saldanha (desempregado, pleiteando o cargo de massagista: "Gosto
de pegar num lugar da pessoa e
tentar resolver o problema").
A algazarra se justificava. Com
Farah Filho e Biro-Biro, o Barra,
que, licenciado, não disputou o
Campeonato Mato-Grossense em
2000, voltará ao torneio este ano.
Em janeiro, o deputado estadual Alencar Soares Filho, líder
do PSDB na Assembléia Legislativa, foi eleito presidente do clube.
Cumprindo o mandato parlamentar em Cuiabá, deixa as tarefas do time para Farah Filho, seu
amigo e vice-presidente, diretor
do Guarani por 12 anos.
Quando decidiu se mudar definitivamente de Campinas para
Barra do Garças, há dois anos, para administrar as cabeças de gado
de Leão e de seus pais ("pouquinhas", segundo ele; milhares, segundo pecuaristas da cidade), andava esgotado da atividade.
"Eu tinha jurado que não voltaria ao futebol, mas o deputado
Alencar insistiu muito. O clube é
uma diversão para a cidade, estava fechado. É aquilo que se diz: tudo pelo social", afirmou Farah Filho sobre a recaída.
A realidade do Barra é a antítese
da megalomania que marca as administrações de Farah pai.
Fundado em 1978, o clube tem
num quarto lugar no Estadual de
1996 o seu maior feito até hoje.
Em 1998, disputaria a Série B do
Brasileiro, mas, por uma dívida
com o Santos, foi impedido pela
CBF de jogar. Em seu lugar entrou
o Gama, que acabou campeão e,
no ano seguinte, fez história ao
derrotar a CBF nos tribunais.
Ironicamente, o Santos vai ajudar a reabrir o time. Da equipe do
litoral paulista chegarão nos próximos dias alguns jovens jogadores para o Barra. O Guarani também emprestará atletas.
Biro-Biro, contratado pela amizade que fez com Farah Filho
quando atuou no Guarani, não
viu nenhum dos possíveis reforços em atividade. Tudo o que
acompanhou até agora foram
dois treinos físicos com 30 jogadores de Barra do Garças que,
após uma "peneira", se juntarão
aos contratados de São Paulo.
Na primeira atividade, quinta-feira passada de manhã, o preparador físico Valdir Dantas, indicado por Biro-Biro, com quem trabalhou na Mauaense (SP), fez os
atletas correrem por quase duas
horas, sob um calor extenuante,
numa pequena pista de atletismo.
Um dos destaques do teste foi a
cadela Princesa, que correu com o
grupo quase todo o tempo.
"Todo time tem um cachorro,
pode reparar. Clube grande não
tem porque não deixam entrar,
mas em cidade do interior é normal", afirmou Dantas.
Porém até o dono de Princesa, o
volante Jackson, 20, ficou surpreso. "É difícil explicar esse preparo.
Nunca tinha visto ela fazer isso."
Princesa pode até se transformar em mascote do Barra, mas
Jackson terá que se superar para
ganhar uma vaga no time. Pelos
cálculos de Biro-Biro e de Dantas,
no máximo dez jogadores da cidade serão aproveitados.
"Está todo mundo empenhado
em conseguir um lugar ao sol.
Agora é um trabalho novo, com
um pessoal capacitado, o Biro, o
Farah. Tudo o que passou para
trás ficou no esquecimento", afirmou Jackson, aludindo à sua passagem por Ituano e Lençoense,
ambos de São Paulo.
Destaque do grupo, o atacante
Coelho, 18, cujo sonho é jogar no
São Paulo, é realista: "Meu nome
está sendo muito cogitado na imprensa, todo mundo me conhece,
mas vai depender do Biro-Biro".
Soldados
Na margem goiana do rio Araguaia, na cidade de Aragarças, de
onde se avista Barra do Garças,
um grupo de rapazes pescava.
Só fisgavam bagre miúdo. Um
deles se assustou ao ver o pelotão
azul marchando na praia do rio e
brincou: "Não sabia que o Exército tinha voltado para cá", disse,
lembrando os tempos da expedição Roncador-Xingu, quando,
nos anos 40, os militares desbravaram aquela região.
Era somente a segunda atividade do Barra sob o comando de Biro-Biro, novamente um treino físico, desta vez na areia fofa do rio.
Enquanto Biro observava o treino, se aproximou um rapaz. Era o
zagueiro Cristiano, 25. Ex-jogador do Barra, está trabalhando
num frigorífico, abatendo bois.
Quer voltar a jogar, mas depende
da licença do patrão. Ganha R$
450 mensais, gostaria de receber
"quatro salários e meio (R$
679,50)". Mas depende da análise
que Biro fará do seu futebol.
Apenas uma coisa é certa no
Barra. Quem jogar vai ganhar
pouco. "Vão ser salários baixos. E
quando falo baixo não é R$ 2.000,
mas R$ 300", disse Farah Filho.
O dinheiro, declarou o dirigente, virá do deputado Alencar, com
o apoio de comerciantes locais.
A prefeitura entrará com a reforma do estádio, hoje aos cacos,
e, talvez, uma cota de patrocínio.
O Estadual começa em 3 de
março, mas o Barra só estréia no
dia 11, em casa, contra o atual
campeão, o Juventude de Primavera do Leste.
Como o time está em formação,
e o estádio, em reforma, os novos
dirigentes do Barra solicitaram o
adiamento. A Federação Mato-Grossense consentiu.
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