São Paulo, 2 de outubro de 1999

HISTÓRIA
Masp foi a obra maior de
Bardi e Chateaubriand


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Dos 99 anos vividos pelo italiano Pietro Maria Bardi, mais de 40 foram dedicados ao Brasil e, principalmente, à sua obra maior: o Masp, que completa hoje 52 anos de idade.
Matuite Mayazo/Folha Imagem
O professor Pietro Bardi em frente ao museu que ajudou a criar, o Masp, em foto de 1988

O Museu de Arte de São Paulo foi um sonho megalomaníaco do empresário da mídia Assis Chateaubriand (1892-1968), que só se tornou real graças à mão de ferro do amante das artes e do futebol Pietro Maria Bardi e de sua mulher, Lina Bo Bardi (1914-1992), que projetou o prédio de colunas vermelhas na av. Paulista.
Nos restos de uma Europa destruída pela Segunda Guerra, Bardi farejou a oportunidade de construir _na época, a preços reduzidos_ o mais rico acervo do país.
Com o dinheiro arrecadado por Chateaubriand, com métodos muitas vezes pouco ortodoxos, junto a empresários locais, Bardi viajou atrás de Van Gogh, Rafael, Cézanne, Ticiano, Manet, Monet, Mantegna, Bellini, Velázquez, Rembrandt e Degas, entre outros.
Configurou assim uma seleção imbatível na América Latina e ainda hoje invejada pelos maiores museus do mundo, que não param de solicitar obras para suas mostras temporárias. Hoje mesmo há obras de Cézanne (“O Grande Pinheiro” e “Rochedos de L’Estaque”) em Yokohama (Japão) e de Velázquez (“Retrato de Conde-Duque de Olivares”) em Sevilha (Espanha).
Bardi jogava no ataque. Na dúvida entre comprar ou não uma obra, comprava. Sabia que a arte era um bom investimento, ensinamento que seguiu à risca e com o qual ajudou a formar outros acervos, como o do Banco Central.
O Masp, porém, foi seu gol de placa. Entre suas duas colunas vermelhas, o Brasil viu nascer, além de seu maior acervo artístico, importantes eventos culturais, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (de Leon Cakoff) e os espetáculos do grupo de teatro Ornitorrinco (de Cacá Rosset), e manifestações políticas, como as mobilizações populares pelas eleições diretas (1984) e pelo impeachment de Collor, em 1992.
Ao longo dos mais de 40 anos na direção do museu, Bardi reuniu um acervo milionário, de mais de 5.300 obras. Seu valor é incalculável, mas uma aproximação realizada pela casa de leilões Sotheby’s, de Nova York, estimou-o em cerca de US$ 1,2 bilhão.
O desejo de Chateaubriand de criar um grande museu no Brasil surgiu em 1946. Naquele mesmo ano, conheceu Bardi, que estava no país acompanhando uma mostra de 54 quadros de italianos dos séculos 13 a 18 que tentava vender aqui.
Chateaubriand convidou-o para ajudá-lo na configuração do acervo. Bardi aceitou e nunca mais deixou o país.
O museu foi inaugurado no ano seguinte, no primeiro andar do edifício-sede dos Diários Associados, na rua Sete de Abril (centro de São Paulo), adaptado pela mulher de Bardi, Lina, que projetaria a sede definitiva do Masp, na avenida Paulista, inaugurada em 1969.
As primeiras obras-primas adquiridas com o aval de Bardi foram de Tintoretto, Botticelli, Murillo, Magnasco e Francesco Francia, mas a preponderância de autores italianos seria contestada nos anos seguintes com a aquisição de importantes obras francesas de Clouet, Cézanne, Renoir, Van Gogh, Degas, Gauguin, Manet, Monet e Léger.
Atualmente, apenas algumas obras de Picasso do acervo podem ser vistas, como apêndice da mostra “Picasso: Anos de Guerra 1937-1945”, em cartaz no museu.
Algumas dessas obras foram também motivo para algumas das polêmicas que o museu atravessou nesses 52 anos de história.
Em 1988, o projeto de pesquisa Rembrandt questionou a autoria de “Auto-Retrato com Barba Nascente”, supostamente de Rembrandt, dizendo que era de autoria do círculo de alunos do pintor holandês, mas havia sido assinada por ele. O Masp concordou com a decisão em 1992.
Em 1990, o museu foi acusado de ter realizado uma restauração “amadorística” do quadro “Retrato de Cristoforo Madruzzo”, de Tiziano, que teria resultado em uma mancha ovalada na área central da obra. O museu, na pessoa de Bardi, negou a acusação.

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