São Paulo, segunda, 28 de setembro de 1998

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INFÂNCIA
Crianças e adolescentes são flagrados em trabalho indireto de criação do bicho-da-seda pela DRT do MS
Indústria da seda usa mão-de-obra infantil

Caio Esteves/Folha Imagem
Luciana Alves de Lima mostra um bicho-da-seda que alimenta em barracão de Novo Horizonte do Sul (MS)



RUBENS VALENTE
em Novo Horizonte do Sul (MS)

Uma das maiores indústrias de fiação de seda do mundo, a Bratac S/A, com sede em São Paulo, se beneficia indiretamente do trabalho de crianças e adolescentes na zona rural do sul de Mato Grosso do Sul.
A DRT (Delegacia Regional do Trabalho) de Campo Grande (MS) flagrou em blitze crianças e adolescentes trabalhando na criação do bicho-da-seda (sericicultura) nos municípios de Glória de Dourados e Novo Horizonte do Sul.
As crianças trabalham para os pais, geralmente pequenos produtores rurais, que formam com a Bratac uma espécie de cooperativa informal. São submetidas a esforços físicos considerados inadequados para suas idades e, em muitos casos, deixam de ir à escola para trabalhar.
A Bratac diz que não tem controle sobre o eventual trabalho infantil porque os produtores são independentes (leia texto ao lado). Em junho, a DRT encontrou 187 crianças e adolescentes trabalhando.
A empresa vende as larvas dos bichos e depois compra os casulos. A criação fica sob responsabilidade dos produtores rurais, mas a empresa se compromete a acompanhar o processo de produção.
Só o sul do Mato Grosso do Sul produz 50 toneladas de casulos ao ano, envolvendo 300 produtores rurais de pelo menos dez municípios, segundo estima o gerente do escritório da Bratac em Glória de Dourados, Osmar Perez, 38.
A empresa fornece as larvas a cerca de 5.500 sericicultores nos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Sozinha, a empresa participa com 58% da produção de fios de seda no país, ou 1,4% de todo o volume fabricado no mundo.
Em apenas dois dias, a Agência Folha, acompanhada por um integrante do Conselho Tutelar Municipal, encontrou 13 crianças trabalhando nos barracões e plantações de amora (usada para a alimentação do bicho-da-seda) de Novo Horizonte do Sul (350 km de Campo Grande).
A chefe do Núcleo para Erradicação do Trabalho Infantil da DRT, Regina Rupp, 48, disse que o trabalho de poda e transporte das folhas de amora exige "esforço físico indevido" das crianças.
A tarefa de dar comida aos bichos, nos barracões, pode ser considerada leve, mas é constante e avança domingos, feriados e férias escolares.
Dependendo da fase de crescimento do bicho-da-seda e da estação do ano, é necessário alimentá-lo a cada hora, obrigando as crianças faltarem ou chegarem atrasadas às aulas.
"A empresa é a beneficiária final do trabalho das crianças", disse Rupp, que já manteve contatos com a Fundação Abrinq, de São Paulo, para tentar que a entidade envolva a indústria de fiação na solução do problema.
O médico do trabalho da DRT Sérgio Perdigão, 48, disse que o trabalho dos sericicultores mirins pode provocar distúrbios na musculatura, no crescimento e estresse físico, que podem se agravar na fase adulta.
O Conselho Tutelar trabalha para incluir as crianças no Vale Cidadania, programa que atende no município 160 catadores de algodão e carvoeiros.
O programa, uma parceria entre os governos federal, estadual e municipal, prevê uma ajuda de R$ 50 mensais às famílias cujas crianças tenham deixado o trabalho para estudar.
Há famílias no ramo da sericicultura que trabalham nos mesmos moldes com a Bratac nos municípios de Nova Andradina, Jateí, Ivinhema, Deodápolis, Bataiporã, Angélica, Itaquiraí e Terenos.
A DRT ainda não fiscalizou a sericicultura nesses locais.



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