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DEPOIMENTO
Eles não levaram na esportiva
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Dia 22 de setembro, há 30
anos. Mais uma vez, estudantes
realizavam ato público contra a
ditadura. Esse era no campus
da PUC de São Paulo e comemorava um encontro clandestino realizado naquela tarde, visando reconstruir a UNE. Na
época, isso era um golaço contra o governo dos generais. Eles
não levaram na esportiva.
Eram 21h50 quando, dos dois
lados da rua da PUC, a tropa de
choque chegou. Cavalos, golpes
de cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.
Gritos e medo. Gente ferida.
Os estudantes tentaram o expediente de outras manifestações: "Ouviram do Ipiranga às
margens plácidas..." Até aquele
22 de setembro, era só entoar o
primeiro verso do Hino Nacional e a tropa de choque, por encanto, parava de bater. Mão no
peito, era uma cantoria fervorosa enquanto se estudavam as
rotas possíveis de fuga. Até o indefectível "...Pátria amada, Brasil!" -e a porrada recomeçava.
Mas, naquele dia, o coronel
Erasmo Dias nem isso permitiu. Ele não queria dispersar o
pessoal. Queria prender todos.
Queria enquadrar na LSN.
Queria acabar com a rebelião.
A saída foi correr para dentro
da universidade. Até aquele dia,
a tropa de choque respeitava as
igrejas, que eram como um pique na correria das manifestações. Natural, pois, que a PM
respeitasse o território de uma
universidade católica. Mas não.
A tropa de choque varreu cada palmo do prédio. Arrombando, espancando, desentocando
estudantes escondidos em armários, banheiros, debaixo de
mesas, trancados em salas.
Lá pelas 22h30, 854 estudantes estavam quietinhos, sentados em um estacionamento
que existia na frente da PUC.
Cercavam-nos os homens do
choque. Erasmo Dias falava aos
rendidos com um megafone.
Policiais formaram um corredor polonês, pelo qual os presos
foram obrigados a passar, antes
de entrar em ônibus transformados em camburões coletivos. Destino: Batalhão Tobias
de Aguiar, hoje sede da Rota.
Homens e mulheres ficaram
em quadras separadas. Questionário, fichamento, interrogatório, fotografia, revista. "Seu
pai sabe que você participa do
movimento estudantil?" era
uma das perguntas. Na quadra
das mulheres, um cantinho foi
usado para descarte de material clandestino. Formava-se
uma rodinha, uma pessoa no
meio. Quando o grupo se dispersava, lá ficava um livro de
Trótski, outro de Lênin, um
panfleto de organização clandestina, gibi do Henfil, encarte
do disco do Chico Buarque.
Por volta da meia-noite, policiais de óculos ray-ban começaram a servir aos presos toddy
batido e sanduichinhos de presunto e queijo. Ninguém dormiu. Parentes aflitos concentravam-se na porta do quartel
em busca de notícias. De manhã, começaram a soltar os
presos. Cada um que saía, recebia um abraço apertado e muitas palmas. Meu pai estava lá.
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