S�o Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Os limites e o destino do liberalismo

ANDREW SULLIVAN
ESPECIAL PARA O "NYT REVIEW OF BOOKS"

H� 14 anos, um jovem aspirante a te�rico pol�tico, Michael J. Sandel, publicou um livro que o fez famoso. "Liberalism and the Limits of Justice" (O Liberalismo e os Limites da Justi�a) foi uma cr�tica sucinta e perspicaz sobre o te�rico liberal John Rawls. Seu argumento era o de que os liberais que baseavam sua teoria pol�tica na supremacia dos direitos individuais estavam pressupondo a exist�ncia do indiv�duo anterior � de seu pa�s, comunidade ou fam�lia, algu�m cujas escolhas pol�ticas e morais estariam isentas de obriga��es de lealdade humana.
O termo para essa cr�tica ao liberalismo baseado em direitos tornou-se "comunitarismo". Os comunitaristas argumentavam, contra os liberais, que os cidad�os, longe de existirem antes da sociedade ou Estado, eram fruto de seu ambiente pol�tico e cultural. Esses cidad�os tinham lealdades que tornavam suas escolhas complicadas e, algumas vezes, invi�veis. Eventualmente, entendiam que seus direitos deveriam ceder ante aos bens aspirados por sua sociedade -bens que consideravam insepar�veis de si mesmos. Se a pol�tica falhasse em considerar isso, seria uma pol�tica curiosamente alienada, incapaz de inspirar lealdade e comprometimento.
Depois de 14 anos, Sandel escreveu um livro que debate -bem, exatamente a mesma coisa. A linguagem � um pouco diferente: em lugar de comunitarismo, leia-se "republicanismo c�vico". H� tamb�m dois elementos novos: Sandel detalha as origens americanas da pol�tica que advoga no primeiro livro e acrescenta uma an�lise sobre nosso senso atual de descontentamento para sugerir que seu republicanismo c�vico �, de certa maneira, uma solu��o.
Tais adendos suscitam tantas perguntas como as que se prop�e a responder, mas nada concluem. Como em "Liberalismo and The Limits of Justice", � bela a argumenta��o de "Democracy's Discontent - America in Search of a Public Philosophy" (Belknap e Harvard, 417 p�gs., US$ 24,95). Sandel gera id�ias com paciente lucidez, abordando no��es que verdadeiramente podem surpreender, para abort�-las em seguida. "Democracy's Discontent" � um modelo da forma pol�tica sutilmente cativante em que Sandel sempre desejou que viv�ssemos.
A for�a do livro � hist�rica. Na maior parte dele, Sandel remete-nos a textos da hist�ria constitucional americana e detecta, em muitos dos argumentos que n�o vingaram, uma alternativa pol�tica ao que est� agora em ascens�o.
Essa filos�fica retomada hist�rica de Sandel faz mais do que nos afastar de nossa contemporaneidade. Ele demonstra, por meio de leituras atentas das decis�es da Suprema Corte, como as concep��es filos�ficas das pessoas mudaram -desde a premissa de que o americano herdar� a cren�a em Deus, por exemplo, � vis�o de que os americanos escolhem a f� religiosa como sobremesa em restaurante.
Sandel tamb�m faz algumas escava��es hist�ricas para mostrar como os argumentos sobre bens foram t�o relevantes como os argumentos sobre direitos em uma variedade de controv�rsias hist�ricas: o debate sobre industrializa��o no final do s�culo 18; os debates sobre trabalho n�o-remunerado versus trabalho assalariado no s�culo 19. A hist�ria americana ao longo do tempo �, no relato de Sandel, uma hist�ria da tr�gica perda do republicanismo c�vico -a no��o de que liberdade n�o significa ser livre do governo, mas a capacidade de se autogovernar.
Mas h� algo um pouco colorido demais nesse relato. N�o "como" o republicanismo c�vico perdeu, mas "por qu�". Com certeza, n�o foi, como Sandel mostra, por mero capricho de um grupo de ju�zes da Suprema Corte. A resposta, para Sandel, parece ser em parte casual, em parte econ�mica, em parte filos�fica.
Ele, por�m, realmente nunca se at�m � explica��o mais �bvia: a crescente diversidade cultural de todas as sociedades ocidentais, o crescente isolamento dos indiv�duos de suas origens, a cada vez maior porosidade mental das pessoas ao choque e interesse alheios. � por isso, certamente, que as restri��es � religi�o p�blica se acirraram -n�o porque alguns ju�zes fossem ateus, mas porque mais e mais americanos n�o podiam conceber que sua cidadania envolvesse um conjunto de pressupostos religiosos ou, se o fizessem, discordavam de quais.
O problema com o segundo livro de Sandel, assim como j� havia sido com seu primeiro, � que sua cr�tica nost�lgico-saudosista do liberalismo baseado em direitos serve para convencer o leitor n�o somente dos limites do liberalismo, mas tamb�m de seu destino. Sua contribui��o � fazer-nos lembrar do que perdemos h� muito, muito tempo -um sentido f�cil de pertencer constitutivo, uma cidadania que eleva sem reprimir. Sua falha � imaginar que essa cidadania possa ser facilmente ressuscitada, que a lei possa ainda impor o que � sociedade cabe agora aspirar.

Tradu��o de Rachel Behar.

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