S�o Paulo, domingo, 17 de mar�o de 1996
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Gordura tapeia o organismo e deve conquistar o mercado

JOS� DOMINGOS FONTANA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O brasileiro est� sendo atingido pelos primeiros sinais a respeito de um substituto de gordura criado em laborat�rio pela gigante industrial Procter & Gamble (de Cincinnati, Ohio, EUA).
Trata-se do Olestra, uma gordura que � artificial (do tipo poli�ster), mas combina componentes naturais vegetais . Ela tem uma formid�vel vantagem para quem gosta de frituras e petiscos da linha "fast food": n�o engorda.
O Olestra n�o � reconhecido, durante o tr�nsito do bolo alimentar atrav�s dos tubos digestivos, pelas enzimas diretamente respons�veis pela quebra das gorduras e �leos. Por isso, n�o � quebrado nem absorvido pelo organismo.
Enzima
Uma enzima chamada lipase, com a ajuda da �gua, promove a quebra inicial das gorduras, possibilitando que seus componentes sejam absorvidos pelo organismo.
Essa enzima atua num ponto de liga��o existente nas gorduras conhecido como liga��o �ster. � a uni�o de partes da gordura chamadas �cidos graxos com o restante da mol�cula da gordura.
No caso do Olestra, o resto da mol�cula, � base de sacarose (a��car de cana), cont�m 12 �tomos de carbono. No caso do �leo de soja, por exemplo, s� h� tr�s (da� o nome triglicer�dio). Esses carbonos servem como uma esp�cie de "�ncora", na qual ficam ligados os �cidos graxos por meio das chamadas liga��es �steres.
Em virtude das caracter�sticas de sua mol�cula, o Olestra � resistente � a��o da enzima lipase e, mesmo seu outro componente, a sacarose (que na forma livre � facilmente quebrada em glucose e frutose por outra enzima intestinal) permanece intocada.
Como a passagem dos alimentos ditos gordurosos (triglicer�dios) do bolo alimentar e sua subsequente absor��o e metaboliza��o pelo organismo requer uma "quebra enzim�tica", pelo menos parcial, � exatamente da estrutura qu�mica diferenciada do Olestra que decorre sua propriedade de "tapear" as enzimas digestivas.
Efeito "diet"
H�, portanto, um efeito "diet" duplicado: ambos componentes transitam inc�lumes pelo trato digestivo, e o Olestra, um aditivo que na pr�tica n�o traz calorias ao organismo, � excretado nas fezes.
Como o "Olestra" tem propriedades semelhantes (consist�ncia l�quida, sabor, integridade preservada durante a fritura) aos �leos tradicionais de cozinha, � um candidato ideal para substitu�-los parcialmente na dieta dos que padecem com a obesidade.
Na verdade, como esclarece a Procter & Gamble (por meio de sua ramifica��o brasileira), existem v�rios Olestras, dependendo de a fonte de mat�ria-prima serem os �cidos graxos dos �leos de soja, algod�o ou amendoim.
Como os �cidos graxos cumprem no organismo outras fun��es metab�licas importantes que contrabalan�am a inc�moda obesidade resultante de sua ingest�o em excesso, uma certa propor��o de triglicer�dios naturais (dominantes nos �leos e gorduras comuns) deve ser mantida na dieta.
Dentre tais fun��es contam-se: a) combust�veis excelentes para a necessidade metab�lica e manuten��o do calor corporal; b) o papel de solventes dos carotenos (antioxidantes) e vitaminas dos grupos A (vis�o), D (anti-raquitismo), E (fertilidade) e K (coagula��o sangu�nea); e c) de precursores que no pr�prio organismo s�o transformados em outras subst�ncias metabolicamente ativas como as prostaglandinas (com a��o anti-hipertens�o e na cicatriza��o).
A� come�a uma s�rie de "sen�es" ou poss�veis restri��es ao Olestra: intacto em seu tr�nsito livre pelos intestinos, promove o arrasto e elimina��o desse grupo de vitaminas. Isso j� foi contemplado na rigorosa an�lise exigida pela FDA (ag�ncia que regula drogas e alimentos nos EUA) e mereceu um aperfei�oamento tecnol�gico: a satura��o do Olestra com um n�vel adequado de vitaminas.
Outros questionamentos ao Olestra t�m sido levantados: a ocorr�ncia, para uma parcela (pequena) de consumidores volunt�rios, de um moderado grau de c�licas, flatul�ncia ou diarr�ia.
A prevalecer a opini�o colhida entre os 23 especialistas que a FDA designou para a rodada de avalia��o final do Olestra ganha finalmente a batalha da aprova��o: 15 foram favor�veis, cinco contr�rios e tr�s se abstiveram.
Mercado
O mercado para os alimentos inovadores fruto de pesquisa e avan�os na qu�mio e biotecnologia (diet�ticos, aromatizantes, aditivos, emulsificantes, com �nfase nos subt�tulos de gorduras convencionais), tem dimens�es avantajadas (US$ 33 bilh�es em avalia��o de 1993 nos USA para alimentos de baixa caloria e baixo conte�do de colesterol).
A pr�pria Procter & Gamble, detentora de mais de 60 patentes cobrindo a manufatura e aplica��es para o Olestra, trabalha numa s�rie de variantes: uma delas � a Caprenin, triglicer�dio que simula gosto e textura da manteiga de cacau, mas tem conte�do cal�rico reduzido. O maior uso seria em confeitos e coberturas achocolatadas.
A resposta dos concorrentes n�o � menos criativa. O cons�rcio Nabisco/Pfizer aposta suas fichas no Salatrim. Outro gigante, a Monsanto, criou o Simplesse, substituto para gorduras recomendado para sobremesas congel�veis, � base de prote�nas de leite ou ovo, integralmente naturais.
A MacDonald's n�o foi menos revolucion�ria empregando, j� em 1991, uma mistura de carne magra mo�da com carragenana, um a��car obtido de algas marinhas e j� consagrado como co-ingrediente de sorvetes e iogurtes, conferindo-lhes a textura cremosa.
Tal vers�o do hamb�rger ("lean burger"), confrontada com a tradicional (20% de gordura animal para atingir o m�ximo de sabor), apesar de conter apenas metade das calorias, recebeu a prefer�ncia dos provadores.
Se as estimativas para o Olestra est�o corretas (US$ 1 bilh�o por m�s, a partir do d�cimo ano de comercializa��o), cabe a pergunta a respeito do provedor de uma das mat�rias-primas, a sacarose, da qual o Brasil � o maior produtor mundial, mas que tamb�m � abundante na beterraba a�ucareira produzida em pa�ses europeus.
A Procter & Gamble deu seus primeiros passos rumo ao primeiro Olestra j� em 1959. Em 1971, logrou a primeira patente. Cerca de US$ 200 milh�es foram investidos em pesquisas e avalia��es.
Como o Olestra j� est� aprovado pelo FDA para uso pelo menos em salgadinhos e biscoitos, parece estar pr�xima a chance de se consagrar a apreciada batata frita como iguaria isenta de culpa... Segundo a companhia, o teste do Olestra no mercado dos EUA deve acontecer em meados deste ano e pouco provavelmente o produto alcan�ar� outros pa�ses, inclusive o Brasil, antes de 1997.

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