S�o Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Os pap�is ocultos de Thomas Edison

Pesquisadores estudam 3.500 cadernos do inventor da l�mpada

KATHLEEN MCAULIFFE
DA "THE ATLANTIC MONTHLY"

Quando um colega perguntou a Thomas Alva Edison qual o segredo de seu talento, ele respondeu: "Genialidade � trabalho duro, persist�ncia, bom senso".
"Mas tem mais!" exclamou seu colega. "Mesmo que n�s tiv�ssemos muito conhecimento e trabalh�ssemos duro, n�o conseguir�amos inventar como voc� inventa".
Parece que Edison nunca se deu conta de que seu "bom senso" era extremamente fora do comum. Mais patentes foram registradas em seu nome do que no nome de qualquer outro nos EUA: 1.093.
Ele criou coisas que transformaram o mundo -entre elas o fon�grafo, a c�mera cinematogr�fica e a l�mpada incandescente. E fez contribui��es a v�rias tecnologias, incluindo telegrafia e telefonia.
Mas, nas seis d�cadas desde sua morte, pouca coisa s�ria foi escrita sobre o g�nio de Edison. Nas palavras do historiador Keith Nier, "� uma das pessoas famosas das quais menos se sabe e sobre quem tudo o que se diz � t�o confi�vel quanto um conto de fadas".
Nier integra um grupo de oito historiadores da Universidade Rutgers e do "Edison National Historic Site", em West Orange (Nova Jersey, EUA), que tenta atualizar dados referentes a Edison.
Chefiada por Robert Rosenberg, a equipe se encontra no processo de editar e publicar documentos selecionados do inventor.
A escala dessa tentativa � virtualmente sem precedentes na hist�ria da tecnologia e da ci�ncia. O que se sabe, hoje, � que o Projeto Documentos de Edison foi lan�ado em 1978, quando arquivistas estimaram que o esp�lio do inventor inclu�a pouco mais de 1 milh�o de p�ginas de documentos.
Informada de que o material havia sido "mais ou menos organizado" por arquivistas, a equipe imaginava que levaria dez anos. Infelizmente a organiza��o mostrou ser muito menor do que fora alardeado. "Era uma grande confus�o", diz o vice-diretor do projeto, Thomas Jeffrey.
Pilhas empoeiradas de pap�is -muitos aparentemente intocados desde que Edison morreu- brotavam pelo espa�o, como mato num jardim abandonado.
Jeffrey, que havia sido contratado para fazer a sele��o inicial do material, se viu liderando uma expedi��o de reconhecimento. "Levamos mais de um ano s� para chegar ao fim da trilha de pap�is."
A cole��o revelou incluir pelo menos 4 milh�es de p�ginas. Segundo a estimativa mais recente de Jeffrey, o trabalho de publica��o de uma amostra representativa pode levar at� o ano 2015.
Hoje, 17 anos depois de iniciado o projeto, os historiadores j� est�o t�o �ntimos com seu tema que, como admite Rosenberg, "viramos espi�es dentro da cabe�a de Edison". Em muitos casos, s�o as primeiras pessoas desde a morte do inventor a deitar os olhos sobre registros de laborat�rio e esbo�os iniciais de pedidos de patente.
Felizmente para a posteridade, o processo pelo qual Edison inventava � documentado em detalhes em 3.500 cadernos. Os pesquisadores comparam a fecundidade de Edison � de Leonardo da Vinci.
No dia do Ano Novo, 1871, mais de tr�s d�cadas antes do v�o hist�rico dos irm�os Wright, Edison especulava que "um motor Paines pode ser constru�do de a�o e, com magnetos ocos... e combinado com asas apropriadas, ... produzir uma m�quina voadora de leveza e tremenda pot�ncia".
"Glorioso - telefone aperfei�oado esta manh� �s 5h", proclamou numa anota��o feita em julho de 1877. "Articula��o perfeita."
� claro que nem todas as suas id�ias deram fruto. Sua m�quina voadora nunca mais foi mencionada. Quanto a seu telefone "aperfei�oado", revelou ter v�rios defeitos que levaram outros nove meses para ser solucionados.
A genialidade de Edison se torna ainda mais not�vel quando vista contra o pano de fundo de sua inf�ncia nada excepcional.
Nascido em 1847, foi criado em Port Huron, Michigan, por pais que n�o possu�am quaisquer talentos mec�nicos especiais.
Sua m�e, ex-professora, lhe deu alguns anos de instru��o em casa. Seu pai, "pau para toda obra", que fez um pouco de tudo, desde especular com im�veis at� administrar uma mercearia, gostava de ler e possu�a livros que o jovem Tom consumiu com avidez.
Na adolesc�ncia, Edison come�ou a ler livros cient�ficos. Ele trabalhava vendendo jornais e doces aos passageiros da ferrovia Grand Trunk, entre Port Huron e Detroit e, nas folgas, come�ou a testar experi�ncias num vag�o.
Numa fase posterior da adolesc�ncia, Edison passava tempo em p�tios de ferrovias, reda��es de jornais e oficinas mec�nicas, e trabalhava numa joalheria e em ag�ncias de tel�grafos. Nesses empregos, ele teve contato com tornos mec�nicos e v�rias ferramentas de precis�o, equipamentos de relojoaria e gr�fica e uma ampla variedade de instrumentos telegr�ficos.
Com 20 e poucos anos de idade, fazendo bicos como inventor, j� acumulava �xitos suficientes para garantir lucrativos contratos para pesquisas para a Western Union e outras firmas importantes.
Desde o in�cio, as coopera��es foram cruciais para seu sucesso. Uma das maiores realiza��es de Edison foi a inven��o de uma institui��o inteiramente nova -o laborat�rio independente de pesquisas industriais, que ele chamava de sua "f�brica de inven��es".
Em seu primeiro grande laborat�rio independente, em Menlo Park, e mais tarde em instala��es em West Orange, Edison manteve um laborat�rio qu�mico e uma oficina mec�nica, os dois sob o mesmo teto -o que constituiu grande novidade. Ele tamb�m se cercou de um grupo b�sico de assistentes.
Contrariamente � id�ia amplamente difundida, ele quase nunca trabalhou em qualquer inven��o que j� n�o estivesse sendo estudada por v�rias outras pessoas.
O que o diferenciava de seus pares era seu dom de transformar essas id�ias em resultados pr�ticos.
A equipe dos Documentos de Edison n�o conseguiu encontrar muitas evid�ncias que comprovem a id�ia de que a inspira��o atingia Edison como um raio do c�u.
Tomemos o relato de Edison de uma l�mpada de filamento de carbono que ardeu 40 horas, enquanto seus colaboradores observavam assombrados pelo milagre.
O epis�dio, dramatizado num filme de Hollywood em que Spencer Tracy representa o grande inventor, nunca aconteceu. Segundo o historiador Paul Israel, que prepara uma biografia de Edison, a vers�o acabou sendo inflada.
Em toda a longa e ilustre carreira de Thomas Edison, a equipe do projeto s� conseguiu identificar alguns poucos momentos de "Eureca!" e, destes, apenas um -a descoberta dos princ�pios subjacentes ao fon�grafo- de import�ncia.
Caso t�pico de inven��o decorrente de outra, o fon�grafo emergiu, sem ser chamado, de um trabalho com tel�grafos e telefones.
Em 1876, Edison e seus colaboradores desenvolveram um gravador telegr�fico capaz de gravar uma mensagem em relevo sobre um papel, de modo que pudesse ser transmitida repetidas vezes em alta velocidade e um operador de recep��o pudesse repass�-lo mais devagar para fazer a transcri��o.
Um dia, em julho de 1877, Edison teve a id�ia de usar uma t�cnica muito semelhante para gravar mensagens telef�nicas. Percebeu que podia dispensar a mensagem el�trica, gravar diretamente as vibra��es dos sons originais e toc�-las para obter um simulacro da voz de quem havia falado.
O documento talvez mais divertido � um que capta um momento de descontra��o numa maratona de trabalho, quando Edison e seus colegas se comportaram com o senso de brincadeira maluca de colegiais � solta numa aula de qu�mica.
Em busca de um l�quido com propriedades espec�ficas para um aparelho eletroqu�mico, experimentaram �leo de alcaravia, de cravo, de or�gano, cromato de nitrog�nio e �leo de hortel�-pimenta. Mas, quando o trabalho se estendeu pela madrugada, adotaram uma abordagem mais solta. Testaram caf�, ovos, a��car e leite.
Os ingredientes do caf� da manh� n�o eram os materiais mais ex�ticos que chegaram a ser usados. Barbatanas de baleia, casco de tartaruga, couro de elefante e cabelos de um nativo da Amaz�nia s�o uns poucos itens coletados.
Embora a maioria das subst�ncias n�o tivesse aplica��o, algumas poucas tinham. Nozes da floresta tropical foram comprimidas para formar tijolos com os quais Edison fabricou agulhas para gramofones. Bambu japon�s foi transformado em filamentos para suas l�mpadas comerciais. Quanto aos cabelos do amazonense, foram usados na confec��o de uma peruca para a primeira boneca falante, em cujo peito era embutido um min�sculo alto-falante.
Para ilustrar o tipo de l�gica de Edison, Reese Jenkins, que at� o ano passado dirigiu a equipe do projeto Documentos de Edison, mostra um de seus primeiros desenhos do cinetosc�pio, um prot�tipo de c�mera cinematogr�fica. "D� para perceber alguma semelhan�a com seu fon�grafo de cilindro encerado?" pergunta Jenkins. A semelhan�a � evidente.
Tanto o fon�grafo quanto o cinetosc�pio consistem num eixo apoiando um cilindro que tem informa��es enroladas (ou uma grava��o sonora ou uma sequ�ncia de fotos paradas). Cada aparelho tamb�m possui um instrumento fino e comprido (uma agulha, no fon�grafo, e um aparelho visor, no cinetosc�pio) que � preso perpendicularmente ao cilindro.
N�o chega a surpreender que a origem seja a mesma. Em 1888, enquanto Edison trabalhava no fon�grafo, recebeu visita do fot�grafo Eadweard Muybridge, que lhe mostrou fotos paradas de animais em movimento. Come�ou a pensar em criar imagens em movimento.
Os documentos de Edison lan�aram luz sobre outra dimens�o do sucesso do inventor: era tamb�m um empres�rio brilhante.
Numa tentativa de fazer com que a prefeitura de Nova York permitisse que a pavimenta��o das ruas da cidade fosse arrancada para a instala��o de cabos el�tricos, Edison convidou a C�mara Municipal inteira para um evento em Menlo Park, ao escurecer.
Mandou os vereadores subirem uma escadaria estreita no escuro e, enquanto resmungavam e tateavam, ele bateu palmas. As luzes se acenderam de repente, iluminando um sal�o de jantar com suntuosa mesa posta, preparada pelo Delmonico's, na �poca o mais fino restaurante de Nova York.
Em sua vida privada, Edison n�o se mostrou t�o brilhante quanto em sua vida de inventor e autopromotor. Como muitos de seus contempor�neos, passou a juventude afastado de mulheres e parece ter ficado decepcionado ao constatar que sua parceira no casamento n�o seria parceira no laborat�rio.
Pouco mais de um m�s depois de se casar com Mary Stilwell, aos 24 anos, Edison se mostrou decepcionado em uma anota��o: "Minha querida e amada esposa n�o � capaz de inventar nada!".

Tradu��o de Clara Allain

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