S�o Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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'Sem respostas prontas, � preciso filosofar'

DA REPORTAGEM LOCAL

O ``Pequeno Tratado das Grandes Virtudes" j� vendeu 140 mil exemplares na Fran�a. Seu autor, o fil�sofo Andr� Comte-Sponville, 43, diz que este � ``um livro de moral pr�tica".
Ele discorre sobre 18 virtudes: polidez, fidelidade, prud�ncia, temperan�a, coragem, justi�a, generosidade, compaix�o, miseric�rdia, gratid�o, humildade, simplicidade, toler�ncia, pureza, do�ura, boa-f�, humor e amor (leia texto abaixo). Comte-Sponville falou � Folha por telefone de Paris.

Folha - Parece que a filosofia acordou para o fato de que pode falar para o grande p�blico...
Andr� Comte-Sponville - Esse � um fen�meno real, que tem acontecido nos �ltimos anos e especialmente neste ano. O sucesso do livro de Jostein Gaarder, ``O Mundo de Sofia", e o sucesso de meu pr�prio livro na Fran�a mostram que h� de fato o que chamamos de uma ``volta da filosofia".
Acho que o fen�meno se explica pelo recuo das respostas prontas. H� tr�s recuos diferentes. Primeiro, o recuo da religi�o, que � um fen�meno do �ltimo s�culo. Durante quase 20 s�culos de Ocidente crist�o as quest�es sobre o sentido da vida ou a felicidade eram respondidas pela religi�o. E quando ela recua, as pessoas, n�o encontrando respostas prontas, t�m que descobri-las por elas mesmas e ent�o come�am a filosofar.
Outro recuo foi o das respostas prontas dadas pelas grandes ideologias, por exemplo o recuo do marxismo. E, enfim, o recuo das ci�ncias humanas. Na �ltima d�cada, os livros de antropologia foram muito procurados para explicar a vida, mas n�o responderam �s quest�es essenciais.
Folha - A moral � o que falta aos homens neste fim de s�culo?
Comte-Sponville - O que falta n�o � tanto a moral, mas uma maneira de viv�-la satisfatoriamente para o homem moderno. Acho que isso tamb�m est� ligado ao decl�nio da religi�o, que durante tanto tempo serviu de transmissora da moral. Durante s�culos, Deus ou a religi�o respondiam � quest�o ``o que devo fazer?". Como hoje a maioria dos nossos contempor�neos n�o acredita mais em Deus, ou mesmo quando acredita n�o reconhece os valores da Igreja como absolutos, eles mesmos devem responder a esta quest�o ``o que devo fazer?". E ent�o filosofam.
A quest�o que devemos nos colocar �: ``O que resta da moral quando n�o temos mais religi�o?" Eu acredito que temos mais necessidade de moral � medida que temos menos religi�o. Em mais de 20 s�culos de civiliza��o, nunca conhecemos uma sociedade t�o laicizada, t�o pouco religiosa em sua profundidade quanto a nossa.
Na Fran�a, dizem que h� uma ``volta da moral". Acho que esses dois fen�menos de volta, da moral e da filosofia, est�o ligados. Trata-se de pegar a vida nas m�os, mas num universo laico.
Folha - Por outro lado, h� muitas pessoas buscando ``religi�o" em livros esot�ricos de todos os tipos...
Comte-Sponville - Na Fran�a tamb�m redescobre-se essa necessidade de espiritualidade. Acho que � uma coisa boa. Ela faz parte de uma exist�ncia verdadeiramente humana. Eu sempre disse que o fato de ser ateu n�o significa renunciar ao esp�rito, renunciar � alma. Claro que essa busca permite a produ��o do que chamamos de ``espiritualidade de bazar". Mas tamb�m nos permite renovar o elo com a tradi��o filos�fica.
Folha - No cap�tulo sobre a do�ura, o senhor diz que a pena de morte pode ser �til...
Comte-Sponville - Isso � justamente um problema. Eu me pergunto se respeitar a do�ura quer dizer n�o ter nunca o direito de matar. Acho que proibir toda e qualquer guerra nos impede, por exemplo, de combater o nazismo. � o equivalente para a pena de morte. Toda pena de morte � for�osamente conden�vel? Em certos casos, sobretudo nos crimes contra a humanidade, n�o estou convencido que n�o se deva utilizar a pena de morte. H� momentos que devemos colocar a viol�ncia a servi�o da do�ura.

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