S�o Paulo, s�bado, 8 de abril de 1995
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'A Tempestade' aposenta William Shakespeare

NELSON DE S�
DA REPORTAGEM LOCAL

Tanto quanto ou mais do que nas demais pe�as de Shakespeare, em "A Tempestade" s�o poss�veis interpreta��es de todo g�nero. Pode ser uma pe�a sobre a descoberta da Am�rica, ou sobre o misticismo crist�o, ou sobre a cabala, ou sobre a ci�ncia ent�o nascente, ou sobre uma vida no teatro, a do pr�prio Shakespeare. Pode ser tudo isso e nada disso.
"A Tempestade", em cartaz no teatro S�rgio Cardoso at� amanh�, escolheu ser uma vida no teatro, mais especificamente o final da vida no teatro do dramaturgo ingl�s, a despedida de William Shakespeare do palco. Todas as falas que levam a tal interpreta��o s�o sublinhadas. A adapta��o (n�o a tradu��o, que n�o se sabe de onde veio), assinada por Paulo Autran e pelo diretor, privilegiou um Pr�spero sereno, �s portas de retirar-se, �s portas da aposentadoria.
Um Pr�spero -que � o duque interpretado por Paulo Autran- para quem, terminada a a��o, de volta a Mil�o, "de cada tr�s pensamentos que me ocorrerem, um ser� dedicado � morte".
Mais de um ensa�sta, o mais recente sendo o americano Harold Bloom, j� alertou para as limita��es e os perigos das interpreta��es biogr�ficas, factuais de um autor como Shakespeare.
No caso, o efeito � uma louva��o ao g�nio de Shakespeare, que ningu�m questiona, obviamente, mas que supera, derrota a pr�pria pe�a. "A Tempestade", a pe�a, d� lugar a uma esp�cie de "tributo a William Shakespeare". Ou ainda, o que � equ�voco quase inevit�vel da parte do p�blico, a um "tributo a Paulo Autran".
N�o que Shakespeare n�o mere�a, ou Paulo Autran. Quem assiste o trabalho realizado pelo ator em "Terra em Transe" (filme de Glauber Rocha, de 1967), sabe do que � capaz um int�rprete maior, um acontecimento raro do teatro como � Paulo Autran.
Mas ele n�o est� para se retirar. Ainda tem muito a fazer, no palco; � preciso que fa�a, depois das montagens e interpreta��es pouco memor�veis destes �ltimos anos. � preciso que fa�a, em primeiro lugar, o "Rei Lear". Mais do que Pr�spero, � Lear o papel shakespeariano � espera de Paulo Autran, que ali�s parece saber disso.
Em "A Tempestade", nesta vers�o de um artista que estaria dando adeus � sua arte, Pr�spero exige pouco de Paulo Autran. At� os melhores solil�quios, como o de "somos feitos da mesma mat�ria que os sonhos", se perdem na serenidade cansada, distante.
Mas � o ator Celso Frateschi, que faz Caliban, quem mais perde com a interpreta��o dada ao texto. Caliban � o outro p�lo de um conflito com Pr�spero, � o "homem natural" em conflito com o homem racional, do progresso, dos famosos "livros" de Pr�spero. � o homem da Am�rica descoberta, do "admir�vel mundo novo", em oposi��o ao homem do velho mundo, da Europa. Caliban, no pr�prio nome, � um anagrama de canibal, a partir de um ensaio de Montaigne, da �poca.
Nada disso aparece na montagem e na representa��o de Caliban por Celso Frateschi. O personagem quase nada tem de animal e mal se percebe a radical oposi��o com Pr�spero. Seu Caliban se perde entre os tantos personagens de "A Tempestade".
Quanto � dire��o de Paulo de Moraes, se n�o chega a surpreender ou inovar com seus recursos j� vistos tantas vezes, de circo, de construir palco no palco, de amontoar livros, ela � ao menos indica��o de um encenador informado, que conhece o que faz. E que ainda pode e deve evoluir.

T�tulo: A Tempestade
Autor: William Shakespeare (1564-1616)
Adapta��o: Paulo Autran e Paulo de Moraes
Dire��o: Paulo de Moraes
Elenco: Paulo Autran (Pr�spero), Celso Frateschi (Caliban), Adriano Garib (Ariel), S�rgio Mastropasqua (Ant�nio) e outros, da companhia de teatro Armaz�m, do Paran�
Quando: Hoje �s 21h e amanh� �s 18h
Onde: Teatro S�rgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, tel. 288-0136)
Quanto: R$ 15

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