S�o Paulo, ter�a-feira, 4 de outubro de 1994
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FHC ajudou a debelar golpe militar

DA SUCURSAL DE BRAS�LIA

Documentos confidenciais do Ex�rcito revelam que o pa�s correu o risco de uma interven��o militar em fevereiro deste ano.
O motivo: as cenas do Samb�dromo, onde Itamar Franco foi fotografado ao lado da modelo Lilian Ramos, sem calcinha.
Fernando Henrique Cardoso, ent�o ministro da Fazenda e j� candidato � Presid�ncia, foi um dos personagens centrais da opera��o que acalmou os militares.
A id�ia de golpe frequentou tamb�m os gabinetes do Pal�cio do Planalto. Integrantes do Grupo de Juiz de Fora discutiram com Itamar a proposta de aplicar no Brasil um autogolpe � Fujimori.
Os epis�dios s�o detalhados no livro ``A Hist�ria Real", da Folha, editado pela �tica. O texto, baseado em pesquisa de um ano, foi preparado por Gilberto Dimenstein e Josias de Souza, diretores da Sucursal de Bras�lia.
O livro, que come�a a circular hoje, conta segredos da sucess�o presidencial, transmitidos pelas fontes sob a condi��o de que s� fossem divulgados depois da vota��o de hoje.
Ao localizar no tempo as candidaturas de Lula e Fernando Henrique, ``A Hist�ria Real" desvenda, simultaneamente, detalhes ainda in�ditos das gest�es dos presidentes Sarney e Collor.
Mostra, por exemplo, como o cronograma do Plano Real encaixou-se com o calend�rio das elei��es, definido em reuni�es sigilosos entre t�cnicos do Minist�rio da Fazenda e pol�ticos do PSDB.
Um dos que palpitaram na opera��o que encaixou economia e pol�tica foi o ministro das Finan�as da Argentina, Domingo Cavallo.
O livro exp�e documentos reservados que embasaram toda a estrat�gia de marketing de Fernando Henrique.
Outro texto, formulado pela assessoria de Lula, esbo�a um plano para manter o PT no poder at� o ano 2000. Tra�a a estrat�gia para a sucess�o presidencial de 1998.
Antes de viabilizar-se como candidato favorito, Fernando Henrique e Lula reuniram-se em 1992, para estabelecer uma alian�a em que o PSDB ajudaria a eleger o candidato do PT.
Abaixo, alguns trechos do livro:
O CONVITE
O convite de Itamar para que Fernando Henrique fosse ministro da Fazenda n�o foi de todo inesperado. Estava em Nova York, na casa do embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Sardenberg.
� tarde, FHC tinha recebido um telefonema de seu s�cio e amigo S�rgio Motta. Este lhe fez um relato dos boatos de que Eliseu Resende iria cair. Disse-lhe que seu nome frequentava as cotiga��es do Pal�cio do Planalto.
``Acho bom voc� voltar. Essa merda vai estourar na sua m�o. O Itamar n�o vai ter outra alternativa", disse-lhe S�rgio Motta.
Fernando Henrique cortou: ``Voc� est� maluco. Eu n�o aceitaria essa coisa jamais."
PT 2000
Intitulado ``Projeto PT 2000", um texto de oito p�ginas, elaborado pelo assessor Ricardo Kotscho, em 1992, estudado pela alta c�pula do partido e aprovado por Lula, partia de um pressuposto: a conquista do poder em 1994 seria apenas um come�o. As reformas necess�rias ao pa�s exigiriam pelo menos dez anos. Seria fundamental, portanto, que todos se preparassem para a sucess�o seguinte.
O objetivo � exposto no relat�rio, sem meias palavras:
``A id�ia � criar condi��es, desde j�, para o PT n�o s� se consolidar como uma real alternativa de poder. � preparar o caminho para o PT conquistar a maioria da na��o, num amplo movimento ao mesmo tempo de massas e de articula��o pol�tica, �nica forma de vencer em 1994 e governar o pa�s em paz, com a sustenta��o mais ampla poss�vel, de tal forma que se possa fazer o sucessor em 1998".
ALIAN�AS
O primeiro gesto ousado de Lula na busca de alian�as aconteceu no primeiro semestre de 1992.
Ele participou de encontro no apartamento de Fernando Henrique Cardoso, na rua Maranh�o, em Higien�polis, abastado bairro de S�o Paulo.
Tasso Jereissati, ent�o presidente do PSDB, tamb�m estava presente. Se uma palavra do que se tramava ali vazasse para a imprensa, o plano afundaria instantaneamente. A trinca discutia o plebiscito, que poderia transformar o Brasil em uma na��o parlamentarista, em abril do ano seguinte(...).
No apartamento de Fernando Henrique, nascia a id�ia de que o PSDB apoiaria a candidatura Lula. Os tucanos indicariam o vice. As duas legendas negociariam o nome do primeiro-ministro.
OJERIZA AO PFL
Numa das ocasi�es em que Collor convidou o PSDB para ingressar no seu governo, Fernando Henrique manteve com o ent�o presidente um di�logo sugestivo:
``Est� dif�cil de aceitar, presidente. Seu programa se encaixa muito bem com o nosso. Mas fica complicado participar de um governo que tenha o PFL. O partido � a encarna��o do atraso, simboliza tudo de ruim que h� no pa�s."
Embora alimentasse esperan�as, Collor suspeitava que a negocia��o naufragaria.
``Suponho que o senhor n�o possa prescindir do PFL agora", testou Fernando Henrique.
``N�o, realmente n�o posso abrir m�o da participa��o do PFL. As condi��es pol�ticas n�o me permitem", descartou Collor.
Dias depois, Collor teve um segundo encontro com Fernando Henrique. O senador tucano, na �poca l�der do PSDB no Senado, lan�ou a ponte para um eventual futuro entendimento com Collor. ``Pode contar conosco em 94."
O presidente fez ar de espanto. Fernando Henrique foi, ent�o, mais expl�cito: ``Conte conosco para evitar que, na sua sucess�o, o PFL queira impor o nome de Ant�nio Carlos Magalh�es."
MODELO FUJIMORI
Chegou-se a tramar algo mais s�rio do que a ren�ncia no Pal�cio do Planalto. Integrantes do chamado grupo de Juiz de Fora realizaram, com o presidente, um debate sobre a possibilidade de se aplicar no Brasil um golpe � Fujimori.
Propunha-se que, em sociedade com os militares, Itamar fechasse o Congresso, exatamente como fizera Alberto Fujimori no Peru, em abril de 1992.
O ide�lgo da opera��o, que jamais saiu do campo da teoria e n�o chegou a entusiasmar Itamar, era o advogado Jos� de Castro Ferreira, amigo �ntimo do presidente.
EFEITO ELEI��O
Em setembro de 93, a equipe econ�mica reuniu-se secretamente com a nata do PSDB, no apartamento de FHC, em Bras�lia. Os t�cnicos explicaram aos pol�ticos os detalhes do plano econ�mico, �quela altura apenas um estudo. A reuni�o come�ou �s 22h.
Em determinado instante da conversa, M�rio Covas explodiu: ``Vou embora", disse, perto de 2h da manh�. ``Se � isso a� o que temos, acabou."
Candidato ao governo de S�o Paulo, Covas temia que um fracasso de Fernando Henrique terminasse por contaminar a sua pr�pria imagem. Edmar Bacha, segurando-o pelo bra�o, pediu: ``Senta a�, M�rio. Vamos conversar."
Mais uma hora de explica��es. E Covas voltou � carga: ``Tudo muito bonito. Mas quero saber o seguinte: quando � que a infla��o vai baixar de verdade?"
``N�o antes de maio de 94", respondeu Bacha.
DOMINGO CAVALLO
Na escolha da data do lan�amento do real, um palpite veio de fora. Em abril, o ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, ligou para seu colega Bacha, que conheceu em Harvard. Encontrou-o em sua casa, no Rio, de manh�. ``Voc�s t�m de introduzir a nova moeda em junho", sugeriu. E apelou para a linguagem eleitoral: ``Tem de ser em junho, porque a infla��o demora a baixar. O impacto eleitoral s� vem no terceiro m�s. As nossas pesquisas s� mudaram no terceiro m�s. Voc�s n�o podem permitir que os percal�os acad�micos atrapalhem o caminho. Fa�am logo."
O dia escolhido foi 1� de julho.
``� SACANAGEM"
O notici�rio sobre a folia de Itamar no samb�dromo ainda frequentava as p�ginas dos jornais. O senador Pedro Simon, l�der do governo no Senado, abordou o assunto de forma bem-humorada: ``E a�, Itamar, como � essa hist�ria?".
``Isso � pura sacanagem da imprensa. Eu t� l�, quieto no meu canto. Botam a mulher do meu lado. Eu vou l� adivinhar que ela est� sem cal�as! Posso ser tudo, menos adivinho", disse Itamar.
Simon complementa: ``Ainda se fosse num fusquinha, voc�s dois sozinhos..."
O senador insistia em tratar o tema com humor. Mas Itamar, retomando a tese da conspira��o dos jornalistas, lembrou de uma foto em que Fernando Henrique aparecia em situa��o constrangedora.
No r�veillon, durante um passeio pelo cal�ad�o de Copacabana, o ministro fora flagrado pelos fot�grafos no instante em que um travesti o abra�ava.
Na opini�o de Itamar, os jornais n�o dispensaram ao auxiliar o tratamento descort�s de que se julgava v�tima: ``Ali ningu�m falou nada. Ningu�m criticou. Mas comigo � sempre do contra. Se o Fernando Henrique sai com um mulher�o daqueles, vai ganhar uma baita manchete favor�vel. V�o dizer que � o tal, que faz tanto sucesso com as mulheres que elas chegam a tirar as cal�as quando est�o do seu lado. Mas se um veado me d� um beijo, v�o dizer que uma bicha beijou a outra. N�o tem jeito."
O GOLPE
Fernando Henrique afundou na cadeira. O relato do general Romildo Canhim deixou-o impressionado. N�o tinha imaginado que a noitada de Itamar Franco no Samb�dromo repercutira t�o mal nos quart�is. A ponto de p�r em risco a pr�pria democracia.
E tudo acontecendo uma semana ap�s a aprova��o de seu Fundo Social de Emerg�ncia. O ministro foi da euforia � profunda preocupa��o.
Canhim tivera uma longa conversa com o ministro do Ex�rcito, general Zenildo de Lucena. Soube ent�o que os quart�is estavam em polvorosa. T�o agitados que os ministros militares haviam se reunido secretamente, para analisar a amplitude da crise.
Relat�rios ultraconfidenciais vinham bater na mesa dos chefes militares. Avolumavam-se, especialmente sobre a escrivaninha do general Zenildo de Lucena.
Uma estranha agita��o se espalhava pela oficialidade, contaminando a cadeia de comando, num movimento que envolvia sargentos e tenentes da ativa.
(...) Sentindo o cheiro de p�lvora, Fernando Henrique foi ao encontro de Itamar assim que o presidente, finda a folia, retornou a Bras�lia. A ansiedade convenceu o ministro de que n�o deveria esperar por um dos v�rios despachos de rotina com Itamar.
Correu ao encontro do chefe na Base A�rea de Bras�lia. Num gabinete reservado, ao lado do sal�o de desembarque da base, derramou sua preocupa��o: ``Itamar, voc� deve ter informa��es mais precisas do que as minhas. Os militares est�o muito aborrecidos com toda essa hist�ria".
Ao contr�rio do que supunha, o presidente estava desinformado. Passou-lhe os detalhes. E chegou ao ponto: ``Eles querem a cabe�a do Maur�cio Corr�a" (o ministro da Justi�a havia bebido demais no Samb�dromo).
Diante do quadro pintado por Fernando Henrique, o presidente pareceu convencido de que deveria ceder. Tinha, inclusive, um nome para substituir o titular da Justi�a: Alexandre Dupeyrat, um advogado que o assessorava na Presid�ncia. Fernando Henrique deu o retorno a Canhim.
BANHO DE POVO"
Escolhido vice de Fernando Henrique, Guilherme Palmeira sentia-se na obriga��o de ajudar Fernando Henrique no trato com o eleitorado nordestino. Ministrou-lhe v�rias ``aulas", ilustradas com hist�rias verdadeiras.
Disse que, candidato ao governo de Alagoas, foi convidado para almo�ar na casa de um correligion�rio. Orgulhoso, o dono da casa n�o desgrudou de Palmeira.
Casa cheia, todos comiam de p�. Ao aproximar o prato do rosto, para a primeira garfada, Palmeira levou um susto. Seus olhos o haviam tra�do. As passas eram, na verdade, moscas mortas. V�rias delas, ali mesmo, no seu prato.
``N�o sabia o que fazer. J� tinha me servido. Separei alguma coisa, mas tive de comer uma parte do arroz. N�o se deve fazer desfeita ao eleitor", ensinou.
Fernando Henrique torceu o nariz, fez cara de nojo. E, taxativo, adiantou: ``A� � demais. A esse ponto n�o chego".
APOIO IRRESTRITO
Antes de descartar o nome de Lu�s Eduardo Magalh�es para o posto de vice, Fernando Henrique teve com o filho de ACM um di�logo decisivo: ``Voc� quer ser vice?", perguntou FHC.
``N�o, n�o quero", respondeu Lu�s Eduardo.
``Est� bem. Mas quero que voc� saiba que ser� o que quiser em meu governo. Se quiser ser ministro, pode escolher a pasta. Se quiser ser presidente da C�mara, ter� todo o nosso apoio. S� n�o digo que ser� eleito porque quem faz a escolha � a C�mara. Mas, se eu for presidente, me empenharei muito para isso."
ESPELHO MEU
Um sigiloso documento para orienta��o da campanha, pilotado por S�rgio Motta, elaborado em 22 de junho de 1994 pelo comando de marketing de Fernando Henrique, pintava um quadro vigorosamente realista:
``As pessoas est�o comparando a situa��o de 1994 com a de 1989 e constantando que a vida mudou para pior. Se j� queriam mudan�a quando elegeram Collor, devem estar pensando agora que a mudan�a de verdade era Lula. Hoje, boa parte dos eleitores desencantados v�em Lula como a �nica certeza de mudan�a. At� porque Fernando Henrique n�o fala sobre isso e n�o sinaliza �s pessoas que ele pode significar a mudan�a desejada. Fernando Henrique construiu uma grande alian�a com a direita, na expectativa de ganhar votos, principalmente no Nordeste. Pode terminar perdendo alguns votos que j� eram seus se n�o assumir um discurso mais � esquerda."
MODELO COLLOR
Em seu primeiro encontro com Nizan Guanaes, uma das estrelas da publicidade brasileira, tamb�m convidado para fazer sua propaganda eleitoral, Fernando Henrique Cardoso encomendou: ``Preciamos criar um mito."
Lembrou que Fernando Collor vencera porque criou e manipulou com habilidade o ``mito dos maraj�s", privilegiados funcion�rios p�blicos de Alagoas. Aos maraj�s, Collor acoplou a defesa dos ``descamisados", atacou pol�ticos e empres�rios. Apresentou-se como o anti-pol�tico. Nesse embate, ele reproduzia a simbologia universal do ``bem" contra o ``mal", t�o usada e abusada nas telenovelas e filmes de faroeste.
O eleitor, prosseguia, precisa identificar o mocinho e o bandido para amar e detestar.
Entremeando argumentos com li��es de antropologia, tema que, gra�as � sua mulher, Ruth, entupia as estantes do apartamento e da casa de campo em Ibi�na, Fernando Henrique disse que Lula n�o tinha mais essa preocupa��o: ``Ele � o pr�prio mito", sintetizou.

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