Pessoas desenganadas procuram vingança, diz Mia Couto sobre extrema direita

Escritor moçambicano fala sobre pandemia e a reinvenção do ser humano no Fronteiras do Pensamento

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São Paulo

Em conferência do Fronteiras do Pensamento, intitulada "Em defesa da impureza", o escritor Mia Couto traz uma visão de sua terra natal, Moçambique. Para a maior parte das culturas moçambicanas de raiz bantu, as fronteiras entre o humano e não humano são distintas, mas abertas e permeáveis.

Mia nos diz que é sobretudo o não humano que nos ajuda a sermos humanos. "A dicotomia entre natureza e sociedade construída ao longo dos séculos é derrubada por descobertas recentes da ciência que comprovam que as bactérias, vírus, fungos estão no nosso corpo porque são o nosso corpo".

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O escritor moçambicano Mia Couto fala durante o encerramento da Felizs (Feira Literária da Zona Sul), realizada no Campo Limpo, distrito na zona sul de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Sobre a pandemia, o escritor destaca como o cenário atual e a ascensão da extrema direita mobilizam o cidadão a favor da violência e contra ciência e cultura. “Nós fomos surpreendidos pela pandemia no momento em que já acumulávamos grandes perdas e um sentimento generalizado de insegurança. De repente o estado foi assaltado, o mercado passou a ser cada vez mais o grande regulador. E tudo isso acompanhado pela emergência de forças de extrema direita, que impõem agora um discurso autoritário e claramente antidemocrático.

Mia diz ainda que, para o cidadão comum, esse sentimento não é simplesmente vivido como um desamparo, é um desengano, a vida fez promessas, a vida deu esperanças que não foram cumpridas. "Um desenganado não procura causas, não procura razões, procura culpados; o desenganado não quer explicações, quer vingança e a vingança pede violência e é isso que conduz essa mobilização que a extrema direita faz contra a ciência, contra a cultura, contra a própria linguagem”.

Apoiado no tema da temporada do Fronteiras do Pensamento, a “reinvenção do humano”, Mia afirma que nós temos que reinventar o humano, sim, mas é preciso antes que saibamos fazer isso juntos. Precisamos que as nossas diferenças nos ajudem a criar não só maior proximidade, mas criar essa simbiose que a vida foi capaz de fazer, de maneira que possamos não apenas viver mais próximos, mas vivermos uns nos outros. E falta-nos sobretudo, agora como escritor, uma narrativa que possa servir de chão para nos reinventar como humanidade, falta esse céu de esperança e esse chão de certeza”, conclui.

Em 2020, o Fronteiras do Pensamento está em formato digital pela primeira vez em 14 anos de projeto. As conferências serão proferidas em língua estrangeira e com tradução simultânea. Cada inscrito poderá assistir à transmissão ao vivo e reprisar a conferência apenas mais uma vez. Os ingressos estão à venda no site www.fronteiras.com.

Confira abaixo as datas e conferencistas da temporada.


30 de setembro – Jonathan Haidt

7 de outubro – Paul Collier

21 de outubro – Timothy Snyder

4 de novembro – Alain Mabanckou

18 de novembro – Fritjof Capra

9 de dezembro – Isabela Figueiredo

Data a confirmar – Andrew Solomon

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