Livraria da Folha

 
21/12/2009 - 15h30

Conhe�a o soci�logo que esclareceu as particularidades do racismo no Brasil

da Livraria da Folha

Gilberto de Mello Freyre � um dos maiores nomes da historiografia nacional e um dos mais influentes cientistas sociais do Brasil no s�culo 20. Em 1922, Freyre publicou "Vida Social no Brasil nos Meados do S�culo XIX", tese de mestrado apresentada � Universidade de Columbia, em Nova York.

Reprodu��o
Em "Casa-Grande & Senzala", Gilberto Freyre utilizou m�todos de pesquisa pouco ortodoxos
Em "Casa-Grande & Senzala", Gilberto Freyre utilizou m�todos de pesquisa pouco ortodoxos

O texto cont�m as principais ideias que fariam parte de suas reflex�es posteriores, como a predomin�ncia do patriarcalismo tanto em �reas rurais quanto em urbanas, o alto grau de miscigena��o da popula��o brasileira, a forte presen�a da igreja cat�lica no cotidiano e a concentra��o do poder pol�tico e econ�mico nas m�os de uma elite.

Foi a partir dele que Freyre escreveu sua obra-prima: "Casa-Grande & Senzala", publicada em 1933. O livro � um grande ensaio de interpreta��o do Brasil, e possui linguagem criativa e inovadora, com m�todos de pesquisa pouco ortodoxos e ideias que desafiaram os preconceitos vigentes.

Mais do que uma redescoberta da na��o brasileira, a obra foi uma esp�cie de funda��o do Brasil no plano cultural, respons�vel por valorizar o papel do negro na hist�ria brasileira, exaltar a miscigena��o racial, desmitificar preconceitos e reconhecer a originalidade de nossa cultura, tipicamente tropical, mas caiu como um meteoro nos meios intelectuais.

A novidade estava tanto no pensamento do autor como na sua forma de se expressar e nos m�todos utilizados na montagem da obra. A linguagem continha uma irrever�ncia desconhecida nas letras brasileiras, por vezes um tom de goza��o, que chegou a provocar protestos de algumas correntes mais conservadoras.

Mais de 70 anos depois de sua publica��o, firma-se como um dos livros capitais da cultura brasileira. Reconhecendo a relev�ncia da obra, Roberto Ventura busca em "Folha Explica: Casa-Grande & Senzala" abrir caminhos para a leitura dessa relevante obra.

Abaixo, leia trecho do livro.

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Gilberto Freyre � o mais amado e odiado escritor brasileiro. Casa-Grande & Senzala, seu principal livro, � uma das obras mais pol�micas j� publicadas no pa�s. Monteiro Lobato comparou o seu lan�amento em 1933 com a fulgurante apari��o do cometa Halley nos c�us. Jorge Amado saudou o livro como uma revolu��o, que deslumbrava o pa�s, ao falar dele como nunca se falara antes. O ensaio de Freyre foi aclamado como uma ruptura nos estudos hist�ricos e sociais tanto pelo tema --a forma��o de uma sociedade agr�ria, escravocrata e h�brida-- quanto pelas id�ias, como a valoriza��o do escravo negro e da cultura afro-brasileira, mas sobretudo pela linguagem, fortemente oral e coloquial, avessa a qualquer ran�o acad�mico ou jarg�o especializado.

Freyre foi endeusado nas d�cadas de 1930 e 1940 como o descobridor da identidade do pa�s e criador de uma nova auto-imagem do brasileiro, que passava de negativa a positiva, de disf�rica a euf�rica. Os cr�ticos Jo�o Ribeiro e L�cia Miguel Pereira consideraram o livro definitivo, por alargar os limites da na��o e afastar os temores infundados sobre a inferioridade racial de sua popula��o. Para o antrop�logo Roquete-Pinto, era uma obra que j� nascia cl�ssica, de consulta indispens�vel para todos aqueles que quisessem entender o pa�s.1

Antes tomado como inferno da deprava��o sexual e da degenera��o �tnica, o Brasil se converteu pelas m�os de Gilberto Freyre em para�so tropical e mesti�o, em que se daria a confraterniza��o de ra�as e culturas oriundas da Europa, �frica e Am�rica. A id�ia de uma hist�ria em que os conflitos se harmonizam passou a fazer parte do senso comum do brasileiro e da cultura pol�tica do pa�s, tendo sido veiculada pelos sucessivos governos a partir dos anos 40. Incorporado por grande parte da popula��o, o mito da "democracia racial" se tornou um obst�culo para o enfrentamento das quest�es �tnicas e sociais e uma barreira para as minorias, como os negros, os �ndios, as mulheres e os homossexuais, cujos movimentos lutam por identidades diferenciadas e reivindica��es espec�ficas.

Divulga��o
Entenda a trajet�ria controversa e conservadora de Gilberto Freyre
Entenda a trajet�ria controversa e conservadora de Gilberto Freyre

Freyre se tornou, junto com o romancista Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior sucesso internacional, pelo menos at� a apari��o do esot�rico Paulo Coelho no mercado editorial dos anos 90. Tanto Freyre quanto Amado difundiram a imagem do brasileiro bom e sorridente, doce e n�o-agressivo, que se deixa seduzir pela mulata, cuja sensualidade ardente � glorificada quer em Casa-Grande & Senzala, quer nos romances do escritor baiano, como Gabriela, Cravo e Canela, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste, in�meras vezes reeditados e adaptados para a televis�o e o cinema.

Casa-Grande & Senzala � at� hoje o ensaio brasileiro mais traduzido, com vers�es em ingl�s, franc�s, espanhol, italiano, alem�o e polon�s, al�m de mais de 20 edi��es no Brasil. Homenageado com col�quios, medalhas e t�tulos, Freyre � doutor honoris causa pelas universidades de Columbia, Coimbra, Paris, Sussex, M�nster, Oxford e Recife. Obteve os pr�mios Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, Aspen do Instituto de Estudos Human�sticos dos EUA e La Madonnina da It�lia. Foi condecorado pela Fran�a, M�xico, Venezuela, Portugal e Espanha e recebeu a Ordem do Imp�rio Brit�nico das m�os da rainha Elizabeth 2�.

Mas Casa-Grande & Senzala tamb�m provocou fortes rea��es. A obra foi atacada por sua linguagem, tida como vulgar e obscena. Um obscuro escritor mineiro xingou o livro de "pornogr�fico" devido � refer�ncia ao modo brasileiro de defecar. Com o apoio de um col�gio religioso do Recife, alguns exemplares foram queimados em pra�a p�blica. E o escritor logo provocaria novas controv�rsias, ao organizar no Recife, em 1934, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro. Seu interesse pela cultura afro-brasileira lhe valeu a acusa��o de "subversivo", "comunista" e "sovi�tico", por seus supostos ataques � fam�lia brasileira e � moral crist�. Foi hostilizado pela elite pernambucana, � qual era ligado por rela��es profissionais e pol�ticas e tamb�m por la�os de parentesco, ao propor � Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco o estudo das condi��es de vida dos trabalhadores rurais. O Dops (Delegacia de Ordem Pol�tica e Social) de Pernambuco o fichou em 1935, em companhia dos pintores Di Cavalcanti e C�cero Dias, como "agitador, organizador da Frente �nica Sindical, orientadora das greves preparat�rias do movimento comunista".

Freyre se op�s ao governo autorit�rio de Get�lio Vargas e foi presidente da UDN (Uni�o Democr�tica Nacional) em seu estado. Foi preso e espancado em 1942, junto com o pai, devido a um artigo no Di�rio de Pernambuco em que acusava um beneditino alem�o de Olinda de ser racista e pr�-nazista. Foi indiciado ao Tribunal de Seguran�a Nacional em 1945, j� no fim do governo Vargas, por ter discursado em manifesta��o contra a ditadura no Recife, em que a pol�cia pol�tica matou a tiros duas pessoas. Com a redemocratiza��o do pa�s, elegeu-se deputado pela UDN e participou da Assembl�ia Constituinte e da C�mara dos Deputados, � qual prop�s a cria��o no Recife do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, depois Funda��o Joaquim Nabuco, com o objetivo de fazer investiga��es de car�ter rural.

J� sexagen�rio, assumiu posi��es pol�micas, que o tornaram maldito por mais de duas d�cadas para os setores de esquerda. Apoiou o golpe militar de 1964, cujo governo forte via como o restabelecimento de uma ordem patriarcal e hier�rquica, destru�da pela urbaniza��o e moderniza��o. Conforme observou o jornalista Mario Cesar Carvalho, em artigo na Folha de S.Paulo publicado no centen�rio de seu nascimento,2 o homem que criou a mitol�gica imagem de um Brasil tolerante acabou por adotar posi��es pol�ticas marcadas pela intoler�ncia...

Movido por aquilo que o antrop�logo Darcy Ribeiro chamou de "tara direitista", Freyre acusou o reitor da Universidade do Recife de ser conivente com a propaganda comunista e pediu a sua ren�ncia ao cargo. Tinha exigido antes, em 1963, o afastamento de supostos esquerdistas da Sudene (Superintend�ncia do Desenvolvimento do Nordeste). E chegou a propor, em 1972, ao senador Filinto M�ller, ex-chefe da pol�cia pol�tica de Vargas, um programa para a Arena (Alian�a Renovadora Nacional), partido de sustenta��o dos militares no poder. Segundo ele, a Arena deveria defender a crescente supera��o das diferen�as raciais no Brasil pela cria��o de um povo "al�m-ra�a". Encantado com a ditadura de Ant�nio Salazar em Portugal, que ocupou o poder por mais de quatro d�cadas, de 1928 a 1974, foi conivente com a pol�tica colonialista da antiga metr�pole na �frica e na �sia em nome do "luso-tropicalismo", entendido como a civiliza��o original e male�vel criada pelos portugueses em tr�s continentes.

Foi atacado nas d�cadas de 1960 e 1970 por soci�logos da Universidade de S�o Paulo, como Florestan Fernandes, Oct�vio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, que criticaram sua vis�o id�lica do passado colonial e a id�ia de que se vive em uma "democracia racial", sem conflitos entre brancos e negros. A partir dos anos 80, foi redescoberto por historiadores interessados na hist�ria do cotidiano, da sexualidade e da intimidade, que resgataram a sua vis�o da escravid�o.

Voltou a ser valorizado agora como um precursor da virada antropol�gica e psicol�gica dos estudos hist�ricos, que se dera a partir da d�cada de 1970 com a terceira gera��o da escola dos Annales e os representantes da "nova hist�ria" francesa, como Fernand Braudel, Georges Duby e Philippe Ari�s. Passou a ser elogiado como pioneiro por seu foco nos "novos objetos" e em figuras at� ent�o marginais, como o escravo, a mulher, a crian�a, a arquitetura e os artefatos, os h�bitos culturais e as tradi��es culin�rias e alimentares. Os maiores intelectuais do s�culo 20, dentre eles o cr�tico Roland Barthes e os historiadores Febvre e Braudel, j� o tinham aclamado como escritor sens�vel � mat�ria palp�vel e renovador dos estudos hist�ricos e sociais.

Por que Casa-Grande & Senzala e seu autor, Gilberto Freyre, tidos como revolucion�rios e progressistas nos anos 30 e 40, passaram a ser criticados a partir da d�cada de 1960 como conservadores e reacion�rios? Como o soci�logo, que os usineiros nordestinos chamaram de "comunista" e de "sovi�tico" nos anos 30, conseguiu se tornar o ide�logo informal do regime militar? De que modo se deu o resgate de sua obra, a partir dos anos 80, como pioneira dos novos rumos da historiografia? S�o essas as perguntas que este livro procura responder.

1. Os artigos de Jo�o Ribeiro, L�cia Miguel Pereira e Roquete-Pinto se encontram reproduzidos em: Edson Nery da Fonseca (org.), Casa-Grande & Senzala e a Cr�tica Brasileira de 1933 a 1944. Recife: Ed. de Pernambuco, 1985.
2. Caderno "Mais!", 12 mar. 2000, dossi� "C�u & Inferno de Gilberto Freyre".

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"Folha Explica: Casa-Grande & Senzala"
Autor: Roberto Ventura
Editora: Publifolha
P�ginas: 96
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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