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21/04/2004 - 03h42

Nobel de Literatura J.M. Coetzee questiona seu meio em novo livro

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SYLVIA COLOMBO
editora do Folhateen

J.M. Coetzee, 64, conta que leu "Robinson Cruso�" pela primeira vez quando tinha apenas nove anos. Adorou aquela narrativa em primeira pessoa, mas ficou intrigado com o nome de Daniel Defoe (1660-1731) na lombada do livro. Quem seria ele? E por que n�o entrava na hist�ria?

Foi assim que o escritor sul-africano introduziu seu discurso ao receber o Pr�mio Nobel de Literatura, no ano passado. O que � um autor e qual sua real rela��o com sua obra fazem parte de um amplo questionamento pessoal, traduzido agora para "Elizabeth Costello - Oito Palestras". Nas palavras do autor, o livro n�o � um romance, mas sim "oito mais ou menos did�ticas e mais ou menos aut�nomas pe�as de fic��o".

Nele, somos introduzidos a Elizabeth Costello, uma renomada escritora de 66 anos que viaja pelo mundo recebendo pr�mios, dando palestras e se metendo em pol�micas acad�micas. Seu livro mais conhecido j� � antigo, dos anos 60, mas ela segue sendo cercada de aten��es, de jornalistas deslumbrados e de seguidores interesseiros.

Por meio da escritora e dos debates em que se envolve, Coetzee monta um intrincado jogo de espelhos. Ora s�o suas preocupa��es que aparecem na voz da protagonista, ora � o oposto delas, sem nunca sabermos ao certo onde est� o autor e onde est� a personagem. Os temas s�o variados, das origens do mal ao humanismo, dos direitos dos animais � fun��o da universidade na sociedade contempor�nea.

H� uma cr�tica feroz ao showbusiness liter�rio, � ind�stria de autopromo��o dos autores, ao lucrativo circuito internacional de palestras e pr�mios, ao ass�dio da imprensa e � transforma��o de escritores em celebridades. Numa das pe�as, Costello viaja num navio em que se realizam palestras liter�rias para divertir os passageiros e apresenta uma vers�o resumida do mesmo discurso que j� deu centenas de vezes.

Coetzee celebrizou-se por retratar, em seus romances, uma �frica do Sul fora do lugar-comum da luta racial e do conflito pol�tico. Foi assim nos seus dois livros que venceram o Booker Prize, pr�mio m�ximo da l�ngua inglesa: "Vida e �poca de Michael K" (1983) --em que um jovem negro viaja pelo pa�s carregando as cinzas de sua m�e-- e "Desonra" (1999) --em que um professor universit�rio deixa a cidade e encontra a brutalidade da vida no campo.

Depois de viver na �frica do Sul at� os anos 60, o autor fez carreira acad�mica na Europa e nos EUA. Hoje, vive e leciona na Austr�lia, de onde respondeu �s seguintes perguntas da Folha, por e-mail.

Folha - Por que voc� escolheu uma idosa para ser sua protagonista? No livro, h� uma jornalista que questiona Elizabeth Costello sobre o fato de ela escrever sobre homens. Essa cobran�a o incomoda?

J.M. Coetzee -
Como a maioria dos escritores, n�o me sento e conscientemente construo um livro a partir do nada. Existe sempre algo a partir do qual voc� come�a, que vem at� voc� e que voc� n�o escolhe. No caso dessas oito li��es, este "algo" era Elizabeth Costello ela mesma, que veio a mim completa.

E n�o tenho paci�ncia para os c�es de guarda do mundo liter�rio que dizem que brancos n�o devem escrever sobre negros, que homens n�o devem escrever sobre mulheres etc.

Est� na ess�ncia da literatura, tanto para o escritor como para o autor, que podemos entrar na experi�ncia de vida de outras pessoas, assim como podemos entrar na experi�ncia dos animais.

Folha - A pergunta mais �bvia sobre esse livro seria, talvez, quem � voc�. Costello? Seu filho? Sua irm�? � poss�vel responder ou a obra se presta mais a ser uma esp�cie de laborat�rio em que voc� experimenta com suas opini�es?

Coetzee -
A pergunta sobre onde a pessoa hist�rica J.M. Coetzee se posiciona em rela��o ao livro n�o � essencial. A pergunta mais importante �: "Quem conta as hist�rias?". E a resposta �: na maioria das vezes, um narrador que est� pr�ximo a Elizabeth. Menos na primeira hist�ria, em que esse contador est� mais pr�ximo de seu filho. E sim, o livro � um laborat�rio para algumas das minhas preocupa��es.

Folha - Voc� � muito cr�tico com rela��o ao showbiz liter�rio. Mas este poderia ser diferente?

Coetzee -
Sim, penso que a ind�stria da literatura poderia mudar. O espet�culo de escritores sendo usados para fazer publicidade de seus pr�prios livros, particularmente os escritores mais jovens, � deprimente e n�o funciona bem. Eu raramente encontro um escritor que tenha muita coisa de interessante para dizer sobre o seu trabalho, e h� uma boa raz�o para isso.

Quando voc� termina um livro, voc� muda imediatamente de preocupa��es, voc� simplesmente n�o se interessa mais em voltar para tr�s ao que escreveu em um momento em que sua mente estava naquilo.

Folha - Se voc� fosse convidado a fazer um discurso num navio como fez Elizabeth Costello, sobre o que falaria?

Coetzee -
Eu provavelmente gostaria de falar sobre o fen�meno dos cruzeiros em navios. Mas eu n�o gosto de palestras como uma forma de comunica��o.

Folha - Elizabeth Costello tem uma discuss�o com sua irm�, que acredita que as ci�ncias humanas est�o em seu leito de morte. A protagonista, ainda, ataca a gan�ncia atual das universidades. Voc� compartilha dessas opini�es?

Coetzee -
Sim, h� uma crise nas humanidades. A universidade, que costumava ser a base dos estudos humanos, perdeu interesse. As humanidades foram negligenciadas para escanteio enquanto a universidade segue em frente em seu novo neg�cio, que � servir � economia neoliberal. Deveriam as humanidades se adaptar �s novas circunst�ncias? N�o, n�o se isso significar mudar sua natureza.

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