Pedir para tomar banho na casa de parentes era rotina para Wallece Gonzaga de Souza, 33. O entregador de aplicativo, que trabalha das 6h da manhã à meia-noite sobre uma bicicleta, não tinha banheiro na casa de 7 m² em que morava no Jardim Colombo, em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. A moradia improvisada em uma das vielas da favela, comprada por R$ 9 mil, também não tinha cozinha e janelas.
Foi em uma segunda-feira (8) de julho que essa rotina mudou, quando Wallece quase não reconheceu a própria casa, após transformação realizada pela arquiteta Ester Carro, em projeto do Instituto Fazendinhando com a Casacor.
"Meus olhos brilharam. Fiquei muito feliz. Ver a casa assim abriu minha mente. Antes eu achava que não iria conseguir nada. Hoje sinto que tenho um propósito", diz o entregador, que sonha em estudar engenharia civil.
Para ampliar o espaço, agora com 10,5 m², foi construído um mezanino de madeira na parte superior, onde há um dormitório. Além de banheiro, a casa passou a ter cozinha e área de serviço.
Também foram acrescentados armário, geladeira, cooktop, televisão, janelas e uma horta vertical na fachada. A parede do quarto recebeu grafite de Juninho, um artista da região.
Antes, a casa tinha frestas nas paredes e problemas hidráulicos e elétricos.
"Estava horrível. Tinha medo de algum bicho peçonhento entrar pelos buracos", diz Wallece. "No inverno, batia muito vento, então eu colocava pedaços de pano para ficar menos frio."
Mas o principal problema era a falta de banheiro —havia somente um vaso sanitário, instalado por ele mesmo. Era preciso tomar banho na casa de familiares, geralmente a mãe, ou de vizinhos.
Quando soube que Ester estava conduzindo a reforma de outra moradia na região, em agosto de 2023, o entregador a procurou para saber se seria possível construir um banheiro na residência.
A arquiteta é presidente do Instituto Fazendinhando, ONG que faz reformas em moradias nas favelas e capacita moradores para que possam aprimorar os espaços onde vivem.
"Aquilo mexeu comigo. Expliquei que tínhamos uma lista de espera, mas que poderíamos fazer uma visita para entender a realidade dele e, quando surgisse a oportunidade, algum patrocinador, poderíamos seguir em frente", conta ela.
No final de abril deste ano, a ideia finalmente saiu do papel: Ester foi convidada a assinar um ambiente na Casacor, tradicional mostra de arquitetura, design e paisagismo. Ela não teve dúvidas ao escolher a residência de Wallece para seu projeto, que passou a morar temporariamente com a mãe.
A reforma foi concluída em 25 dias. De 12 a 28 de julho, a casa estará disponível para visitação e visitas guiadas, durante a exposição da Casacor São Paulo.
Ester explica que um de seus objetivos é reforçar a importância da arquitetura social. "Quero aproveitar a visibilidade que a Casacor tem para fazer com que as pessoas se choquem com as dimensões desta casa e com o fato de que, no Morumbi, uma das regiões mais nobres da cidade de São Paulo, muitas residências não têm nem banheiro."
A arquiteta e urbanista social cresceu no Jardim Colombo, onde morou em uma moradia precária durante grande parte da vida, convivendo com ratos, enchentes de córrego e um lixão em frente à residência.
Ela foi finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2021 com o projeto Fazendeiras, que capacita mulheres na área da construção civil por meio de treinamento em serviços como pintura, encanamento e colocação de azulejos.
As Fazendeiras foram as responsáveis pela pintura da casa de Wallece.
A história da arquiteta e do entregador não é de agora: os dois foram colegas de escola. Ao contrário de Ester, entretanto, ele não conseguiu avançar com os estudos.
"Não pude seguir o mesmo caminho. Era ou trabalhar e comer, ou estudar e ficar com fome", afirma.
Expulso de casa pelo padrasto, o jovem chegou a morar na rua, em uma área de lixão, antes de conseguir a atual moradia. Wallece sonha em concluir o ensino médio e ingressar na universidade.
"Agora tenho mais vontade para correr atrás dos meus objetivos, mais força para conquistar os sonhos. Quero que isso aconteça com várias outras pessoas também", diz.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.