Desmatamento cai na mata atlântica, mas cresce na fronteira com cerrado e caatinga

Dados de 2023 da SOS Mata Atlântica mostram melhora em área contínua, mas piora nas 'ilhas' de floresta dentro de outros biomas

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São Paulo

O desmatamento na mata atlântica brasileira caiu de 2022 para 2023, mas o mesmo não aconteceu com os fragmentos deste bioma em áreas de cerrado, pantanal e caatinga. Nessas "ilhas" de vegetação típica da mata atlântica dentro de outros biomas (conhecidas como encraves), o desflorestamento cresceu, acompanhando a devastação das áreas ao redor.

Os dados foram divulgados nesta terça-feira (21) pela Fundação SOS Mata Atlântica e se baseiam em dois levantamentos: o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, realizado pela organização em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o SAD (Sistema de Alertas de Desmatamento), da rede colaborativa MapBiomas.

Imagem aérea mostra desmatamento em encrave da mata atlântica no município de Wanderley, na Bahia
Imagem aérea mostra desmatamento em área de mata atlântica no município de Wanderley, na Bahia - Divulgação/Thomas Bauer/SOS Mata Atlântica

Realizado desde 1989, o Atlas detecta áreas superiores a três hectares de florestas maduras, que correspondem a 12% do bioma original. Por esse critério, o desmatamento caiu 27% — de 20.075 hectares em 2022 para 14.697 em 2023.

Já o SAD tem uma abrangência mais ampla, sendo capaz de detectar desmatamentos a partir de 0,3 hectare em florestas em diversos estágios de recuperação, que ocupam 24% da área total do bioma. Por essa metodologia, o desmatamento cresceu 9% no mesmo período, saltando de 74.556 para 81.356.

Essa diferença se explica pela devastação dos encraves e das áreas de transição com outros biomas, que continuou em alta, enquanto a área contínua de mata, que se estende do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, foi mais preservada no período.

"São dois sistemas que se complementam e mostram a mesma tendência. Na região contínua, reconhecida como mata atlântica, o desmatamento diminuiu bastante, mas nas áreas de transição e nos encraves ilhados no cerrado, na caatinga e no pantanal, aumentou muito. É o que vemos no Mato Grosso do Sul, no Piauí e na Bahia, em áreas de expansão dos grandes projetos agropecuários de soja, milho, pasto", afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.

De acordo com o MapBiomas, praticamente 95% do desflorestamento de 2023 foi motivado pela expansão agrícola. Em seguida vieram expansão urbana, causas naturais e mineração.

Lei de proteção e os encraves

A mata atlântica está presente em 17 estados, em uma área total correspondente a 15% do território nacional. É uma região densamente povoada, na qual vivem 7 de cada 10 brasileiros.

Pelo monitoramento do SAD, é como se o equivalente a 200 campos de futebol tivessem sido desmatados por dia, o que é especialmente preocupante por se tratar do bioma mais devastado do país.

"A gente desmata esse bioma faz 523 anos. Cada pedaço que a gente corta faz muita falta. Não poderíamos estar perdendo nada, até porque não há justificativa para desmatar floresta. O Brasil não fica mais rico, não ganha nada com isso, só perde", afirma Guedes Pinto.

A mata atlântica é o único bioma com uma lei de proteção específica, que só autoriza o desflorestamento em casos de utilidade pública ou interesse social.

O texto da Lei da Mata Atlântica, de 2006, afirma que as restrições ao desmatamento se aplicam também aos encraves florestais, mas, na prática, isso é contestado, o que ajuda a explicar o desflorestamento nessas áreas.

É por isso que, enquanto o desmatamento no bioma contínuo é quase todo ilegal, nos encraves muitas vezes é autorizado.

"A Lei da Mata Atlântica é superior ao Código Florestal, mas alguns governos estaduais e municipais não reconhecem isso e autorizam o desmatamento. São muitas idas e vindas, muitos questionamentos de assembleias estaduais", afirma o geógrafo Marcos Reis, coordenador técnico do MapBiomas.

Para Reis, falta padronização e transparência na emissão descentralizada de licenças ambientais. "Hoje, tem muita autorização sendo emitida por municípios que não estão públicas. E não existe uma padronização mínima: algumas não trazem o código do imóvel, as coordenadas aéreas, uma área bem delimitada", diz.

O geógrafo, que atua nessa área há quase 25 anos, acompanhou a queda do desflorestamento na mata atlântica a partir da promulgação da lei. "O problema é que até hoje continua o desmatamento nas florestas mais antigas, que têm mais carbono estocado, mais biodiversidade, que prestam mais serviços ambientais. Temos que parar isso", afirma.

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica.

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