Kevin Lyles e Keisha Caine Bishop eram estrelas do atletismo universitário dos Estados Unidos, mas não imaginavam que o mais velho de seus três filhos seguiria seus passos. O garoto Noah Lyles sofria com uma asma severa que o fazia respirar com dificuldade e ter uma tosse aguda, cujo som era semelhante a um latido. Ele não podia ter brinquedos de pelúcia, que poderiam acumular poeira e agravar a situação.
Aquele menino hoje tem 26 anos e é o maior velocista do mundo. Cheio de personalidade, fala em superar marcas de Usain Bolt, corredor histórico que defendeu a Jamaica em quatro Olimpíadas, promete ao menos três medalhas de ouro nos Jogos de Paris e realmente tem boa chance de ser o grande nome da edição 2024 do megaevento esportivo.
"Eu definitivamente vou ganhar minha primeira medalha olímpica em Paris", afirmou, em recente entrevista à revista Time. E a segunda? "Com certeza." E a terceira? "Eu, com certeza, vou ganhar três." Quatro? "Essa é discutível!", gargalhou, com um sorriso que não foi visto em Tóquio, nos Jogos de 2020, realizados em 2021 por causa da pandemia do novo coronavírus.
Lyles chegou ao Japão como o campeão mundial dos 200 m rasos, mas não estava em seu melhor momento. Primeiro, deu demonstrações de cansaço pelas viagens para competições e a distância de sua família, na Flórida. Em seguida, sofreu com o isolamento na pandemia. Então, em maio de 2020, ocorreu o assassinato de George Floyd, homem negro morto por um policial em Mineápolis. "Eu me lembro de ficar constantemente pensando: ‘Poderia ser eu’", disse.
O velocista norte-americano passou, então, a tomar antidepressivos, dos quais depois se distanciou para retornar às competições. Conseguiu bons tempos em 2021 e desembarcou em Tóquio como o claro favorito nos 200 m, porém sentiu dores no joelho, teve dificuldade de competir sem público –ainda por causa da pandemia– e obteve um bronze considerado decepcionante.
"Eu estava motivado pela metade. Parecia que eu tinha entrado em uma sala vazia e que me falaram: ‘Lute’", afirmou. Ele completou a prova em 19s74, atrás do canadense Andre De Grasse, ouro com 19s62, e do norte-americano Kenneth Bednarek, prata com 19s68. Então, chorou, falou sobre suas dificuldades com a saúde mental e lamentou que não tinha a companhia do irmão Josephus, também velocista, que não se classificou para os Jogos.
Noah hoje chama aquela medalha de sua maior e revê constantemente a corrida no YouTube, embora com alguma dor. "É fisicamente muito difícil apertar o botão ‘play’. Mas, a cada vez que assisto ao vídeo, fico pensando: ‘É, não sou mais aquele cara’", contou.
O atleta passou a trabalhar com a psicóloga do esporte Diana McNab e assegura estar em um momento bem diferente agora. Um dos exercícios é a redação de um roteiro sobre cada parte de uma corrida, do aquecimento à chegada. Há também exercícios de respiração.
Tem funcionado. O falante Lyles esbanja confiança e vem de resultados muito expressivos. No último Mundial de atletismo, em Budapeste, em 2023, conquistou a medalha de ouro nos 100 m, nos 200 m e no revezamento 4 x 100 m. É nessas provas que promete triunfar também em Paris. O quarto ouro, aquele "discutível", depende de ele ser escalado para a equipe dos Estados Unidos no revezamento 4 x 400 m.
Cumprir as ambiciosas metas na França seria mais uma virada para o garoto que sofria com asma, antes de achar a medicação que lhe permitiu respirar confortavelmente. Mas seus dentes ficaram descoloridos –ele crê que por causa dos remédios– e sofreu com o bullying na escola. "Eles eram impiedosos. Era uma pancada emocional, isso realmente te destrói."
O jovem conseguiu refúgio na arte e no esporte, juntando essas duas paixões quando desenhou o uniforme de seu time de atletismo no ensino médio. E, no fim das contas, tornou-se um atleta de altíssimo rendimento, que fala em superar Usain Bolt —o norte-americano tem 19s31 como melhor marca nos 200 m, contra 19s19 do ídolo jamaicano.
"Sim, por que não? É o meu plano. Eu tenho a personalidade, eu tenho a velocidade, eu sei dar um espetáculo."
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