Abertura da Copa de 2014 mergulhou Corinthians em dívida bilionária

Dez anos após o Mundial, clube ainda deve R$ 703 milhões do financiamento de sua arena

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São Paulo

Quando Andrés Sanchez, em seu primeiro mandato como presidente do Corinthians, anunciou no dia 1º de setembro de 2010 a construção do estádio do clube, afirmou que a obra custaria R$ 335 milhões.

No ano seguinte, a arena em Itaquera, na zona leste de São Paulo, foi anunciada como local da abertura da Copa do Mundo de 2014, disputada há exatos 10 anos, quando o Brasil venceu a Croácia, por 3 a 1.

Na inauguração do campeonato, o preço final da obra havia saltado para R$ 985 milhões (R$ 1,9 bilhão em valores corrigidos), bem acima do custo original, que corrigido para 2024 seria de R$ 875 milhões.

Parte desse aumento é atribuída às estruturas provisórias que o estádio teve durante o Mundial, com duas arquibancadas provisórias atrás dos gols, que aumentavam a capacidade de 48 mil para 64 mil lugares. A equipe alvinegra, contudo, não chegou a fazer nenhuma partida no local antes da retirada das estruturas.

Neo Química Arena, estádio do Corinthians, em Itaquera
Neo Química Arena, estádio do Corinthians, em Itaquera - Amanda Perobelli - 22.mai.22/Reuters

Durante anos, o cálculo exato da dívida pela nova casa alvinegra foi motivo de disputas internas no Parque São Jorge. Conselheiros de oposição criticavam, sobretudo, a falta de transparência da diretoria.

Em 2019, uma comissão instaurada pelo Conselho Deliberativo apontou que o clube devia R$ 1,03 bilhão à Odebrecht, construtora responsável pela obra, fora o financiamento com a Caixa Econômica Federal.

O valor era questionado por Andrés, sob o argumento de que partes da obra prevista no orçamento não haviam sido concluídas. Além disso, o clube afirmava ter repassado cerca de R$ 380 milhões à Odebrecht por meio de CIDs (Certificado de Incentivo ao Desenvolvimento). Em setembro daquele ano, a empresa e o clube anunciaram um acordo pelo fim da dívida. O Corinthians teria concordado em pagar R$ 160 milhões para zerar a questão.

O projeto original do estádio era de autofinanciamento. A Odebrecht pagaria pela obra com seus recursos e depois recuperaria o dinheiro com receitas geradas pela arena. Seria formada uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), figura jurídica comum em incorporações imobiliárias em que uma parte entra com o terreno (o Corinthians) e outra com a obra.

A estrutura financeira para a execução do projeto consistiria no empréstimo repassado pela Caixa no valor de R$ 400 milhões, além dos CIDs (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento), cedidos pela prefeitura, estimados na época em R$ 420 milhões.

Também estavam previstas "receitas provenientes da exploração comercial da arena", conforme descrevia a ata de uma das reuniões da comissão. A principal fonte seria a venda dos "naming rights", estimados pelo clube em R$ 450 milhões —cifra que a comissão chamou de "superestimada".

Quase sete anos após a inauguração do estádio, em 2020, o clube vendeu o nome da arena para a Hypera Pharma por R$ 300 milhões, em um contrato de dez anos que batizou o local com Neo Química Arena. A demora para comercializar a propriedade é apontada como um dos motivos que inflacionaram a dívida com a Caixa.

Uma década após o estádio ter sido palco da abertura da Copa do Mundo, apesar do pagamento de parcelas ao longo dos anos, a dívida com o banco estatal não caiu como o clube projetava devido a juros, correções e encargos, provocados por atrasos na quitação do financiamento.

De acordo com o relatório da consultoria EY divulgado no final de maio, sobre receitas, custos e despesas de 28 times das Séries A e B do Campeonato Brasileiro, o clube ainda deve R$ 703 milhões à Caixa.

A dívida é reajustada pelo CDI (Certificado de Depósito Interbancário, que acompanha a taxa Selic) mais 2% ao ano.

Em 19 de novembro de 2023, a menos de uma semana da última eleição no Parque São Jorge, a diretoria, então sob comando de Duilio Monteiro Alves, chegou a anunciar um novo acordo com a Caixa.

A proposta previa a quitação total do débito com o saldo restante do contrato de "naming rights" somado a uma carteira de precatórios —títulos de admissões de dívidas do governo (estadual, municipal ou federal) com pessoas ou empresas, mas sem um prazo de pagamento.

O anúncio foi criticado pela oposição, encabeçada à época por Augusto Melo, por ocorrer na reta final do processo eleitoral do Corinthians e ainda depender da aprovação de órgãos públicos —aprovação que acabou não ocorrendo depois.

No pleito, Melo derrotou o candidato da situação, André Luiz Oliveira, o André Negão.

O atual presidente do Corinthians considera que a dívida é um entrave para sanar a saúde financeira do clube. "Nós precisamos ficar livres disso, porque com isso nós não temos várias receitas da arena. Então, precisamos quitar essa dívida", disse ele em recente entrevista à Band.

No orçamento deste ano, o Corinthians prevê passar R$ 80 milhões à Caixa, em quatro parcelas. O valor do pagamento é arrecado, sobretudo, com a bilheteria dos jogos. Desde sua inauguração, o estádio é motivo de orgulho para os corintianos e foi usado pelo clube nas campanhas de cinco títulos: do Brasileiros (2015 e 2017) e três Paulistas (2017, 2018 e 2019).

O clube estima que já tenha pagado R$ 265 milhões ao banco estatal. Desde 2023, o Corinthians paga apenas os juros do financiamento. O valor principal começará a ser quitado a partir de 2025. A equipe do Parque São Jorge tem até 2041 para quitar o débito.

Ao somar o débito com as demais dívidas do Corinthians, a consultoria aponta um valor de R$ 1,58 bilhão, montante que, de acordo com a empresa, faz do clube o mais endividado do país.

Linha do tempo

Janeiro de 2009

São Paulo apresenta à Fifa (Federação Internacional de Futebol) um projeto para reformar o Morumbi. Clube se dispõe a atender todas as exigências da entidade para receber a Copa do Mundo de 2014.

Junho de 2010

Comitê Organizador Local da Copa anuncia que o São Paulo não apresentou as garantias financeiras referentes ao projeto de modernização do estádio. Morumbi acaba descartado pela Fifa.

Agosto de 2010

Corinthians apresenta à Fifa o projeto de um estádio para 48 mil pessoas, em parceria com a Odebrecht, com capacidade para receber a abertura da Copa do Mundo. Clube recebe apoio da CBF e do governo do estado de São Paulo para abrigar os jogos do Mundial.

Outubro de 2010

Fifa aprova o projeto do Corinthians, mas admite preocupações com estruturas temporárias e se nega a ajudar financeiramente.

Setembro de 2011

Corinthians assina contrato para a construção do estádio, com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva, à época já como ex-presidente da República. Político assina o contrato como testemunha.

Outubro de 2011

Fifa anuncia que o estádio do Corinthians será o palco da abertura da Copa do Mundo de 2014.

Maio de 2014

Arena do Corinthians é inaugurada com derrota do time alvinegro para o Figueirense pelo Campeonato Brasileiro.

Junho de 2014

Seleção brasileira vence a Croácia por 3 a 1 na abertura da Copa do Mundo de 2014, no estádio do Corinthians.

Maio de 2016

"Se não fosse para a Copa do Mundo, teria sido muito mais simples, e teria tido muito menos custo para o Corinthians. Mas o Corinthians atendeu um pedido da prefeitura e do governo do estado. Uma exigência, aliás", diz Andrés Sanchez, em entrevista ao UOL.

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