Fez-se a alegria para o torcedor do Fluminense.
O clube tricolor enfim é campeão da Copa Libertadores, troféu obtido com vitória por 2 a 1 sobre o Boca Juniors, na tarde de sábado (4), no estádio Mario Filho, no Rio de Janeiro. Cano e John Kennedy fizeram os gols do título, que jamais havia sido alcançado pela formação das Laranjeiras.
De frente para o morro de Mangueira, vizinho ao Maracanã, o time de Cartola obteve aquela que pode ser considerada a sua maior glória. A equipe tricolor, que homenageou em verde e rosa o compositor de "Amor Proibido" no uniforme lançado mais recentemente, deixou olhos rasos d’água na arquibancada, mas os corações feridos eram os argentinos.
Diante de um adversário com seis taças da competição, o Fluminense mostrou força. Saiu na frente no primeiro tempo, levou empate no segundo e alcançou o título de maneira dramática, na prorrogação. John Kennedy saiu do banco e recebeu passe de Keno para deixar marcado seu nome na história.
O triunfo coroa o trabalho de Fernando Diniz, que tinha no Campeonato Carioca sua grande conquista como treinador, e cicatriza feridas da agremiação das Laranjeiras, que acumulou fracassos em suas oito participações anteriores na Libertadores, alguns deles extremamente dolorosos.
O troféu esteve ao alcance em 2008 –centenário de Cartola. Derrotada pela LDU por 4 a 2 no jogo de ida da final, no Equador, a equipe buscou no Rio uma vitória de virada por 3 a 1, mas levou a pior nos pênaltis. No ano seguinte, contra a mesma LDU, deixou escapar outro título internacional: com a derrota por 5 a 1 em Quito, o 3 a 0 em casa não foi suficiente na Copa Sul-Americana.
Desta vez, como passou a ocorrer na edição de 2019, a decisão foi disputada em partida única. O duelo derradeiro estava marcado para o Maracanã desde o começo do campeonato, independentemente dos clubes na briga, e o Fluminense trabalhou por mais uma chance de triunfar no local.
A campanha, é verdade, teve sobressaltos. A classificação às oitavas de final só foi obtida na última rodada da fase de grupos, em um tenso empate com o peruano Sporting Cristal, seguido de vaias pela má atuação. A sequência teve triunfos tranquilos sobre o argentino Argentinos Juniors e o paraguaio Olimpia antes de um confronto dramático com o Internacional nas semifinais.
No jogo de ida, no Rio, o Fluminense saiu na frente, teve um jogador expulso, levou a virada e buscou o empate por 2 a 2 com um a menos. Em Porto Alegre, o Inter marcou em falha do goleiro Fábio e teve duas oportunidades claras para selar a vaga na decisão. Enner Valencia errou. John Kennedy, aos 36 minutos do segundo tempo, e Cano, aos 42, não.
A vitória de virada por 2 a 1 levou a formação tricolor à final contra o tradicional Boca, que teve também um caminho acidentado até o Maracanã. Após uma passagem sem sustos em uma chave frágil, apostou no goleiro Romero e avançou à decisão sem nenhuma vitória no mata-mata. Com seis empates, derrubou nos pênaltis o uruguaio Nacional, o argentino Racing e o Palmeiras.
No embate derradeiro, disputado sob tensão, após múltiplos episódios de violência entre torcedores dos finalistas no Rio, uma parte considerável do público era argentina. E foi um argentino que abriu o placar, aos 36 minutos. Para azar do Boca, era o argentino Germán Cano, um dos heróis tricolores, que terminou a Libertadores como artilheiro, com 13 gols.
Era o Fluminense quem dominava as ações, embora a formação portenha tenha tido uma chance clara. O uruguaio Cavani recebeu nas costas de Felipe Melo, na cara do gol, e, inexplicavelmente, em vez de tentar a finalização, deu um passe desastrado para trás. Cano foi bem mais esperto para tirar o zero do marcador.
A jogada teve a cara de Diniz, que gosta de congestionar um dos lados do campo e aproximar os dois pontas. No lance, o ponta-esquerda Keno estava na ponta direita. De lá, deu passe preciso para Cano, que se movimentou de maneira inteligente para evitar a marcação de Advíncula e bater no canto direito de Romero.
A camisa do Boca é pesada, no entanto, e o time cresceu na etapa final, buscando uma pressão mesmo sem grande qualidade técnica. Ajudava nessa tarefa o desgaste do adversário, que perdeu o veterano Felipe Melo por lesão. Aos 27 minutos, o também experiente Marcelo não teve pernas para impedir que Advíncula puxasse a bola para o pé esquerdo e empatasse o jogo de fora da área.
Diniz, em jornada iluminada, chamou o ainda mais iluminado Kennedy, que já tinha sido decisivo nas semifinais. As câmeras da transmissão oficial mostraram claramente o treinador berrando para o garoto de 21 anos: "Você vai fazer o gol do título!". Profecia que se concretizou aos nove minutos do primeiro tempo extra.
O atacante recebeu ótimo passe de cabeça de Keno, extremamente decisivo na final, e bateu de primeira, no canto esquerdo de Romero. Na comemoração, nos braços da galera, levou seu segundo cartão amarelo, o que ampliou o drama. Mas o Boca também teve um jogador expulso pouco depois –Fabra deu tapa em Nino, flagrado pelo árbitro de vídeo– e não achou força para nova reação.
Valeu a aposta do Fluminense em Diniz. E a aposta de Diniz no Fluminense. Em abril de 2022, quando o clube ficou sem técnico, o mineiro mandou mensagem para o presidente Mário Bittencourt, oferecendo-se para o cargo vago. Segundo ele, "algo do além, espiritual", motivou a atitude.
O treinador já havia dirigido a formação tricolor em 2019, sem títulos. Na segunda passagem, manteve seu estilo particular, baseado na profusão de opções para passes curtos, porém conseguiu minimizar os riscos e alcançar resultados mais expressivos —que o levaram à seleção brasileira, onde também trabalha, desde julho.
Com os gols do artilheiro Cano e a chegada do craque Marcelo, campeão de tudo no Real Madrid, o time conquistou o Campeonato Carioca fazendo 4 a 1 no rival Flamengo. Foi um momento considerado importante para equipe e comandante, que ganharam confiança e construíram a campanha do título da Libertadores.
O triunfo continental rendeu US$ 27,15 milhões em prêmios (R$ 136,3 milhões). O valor é considerado importante pela diretoria do clube, que fechou o ano passado com a dívida perto dos R$ 800 milhões. Nada disso parece importar agora para o torcedor do Fluminense, que chora. Disfarça e chora. Ou, ao menos por um momento, leva a vida a sorrir.
Fez-se a alegria.
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