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Copa do Mundo 2022 África

Dentro e fora dos gramados, Marrocos desafia a ordem europeia

País entra em campo contra a Espanha como uma potência regional descomplexada

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Para Espanha e Marrocos, o jogo das oitavas de final da Copa do Mundo será um teste para o processo de reconciliação iniciado em abril deste ano pelo premiê Pedro Sánchez e pelo rei Mohammed 6º.

A origem do conflito era, mais uma vez, o Saara Ocidental, causa existencial da diplomacia marroquina. O vasto território desértico, com suas reservas de fosfato e águas ricas em peixes, é alvo de uma disputa de várias décadas entre o governo marroquino e a Frente Polisário, apoiada pela Argélia, que luta há décadas pela independência da região.

Na ânsia de normalizar as relações de Israel com o mundo árabe, Donald Trump ofereceu o reconhecimento da soberania marroquina sobre a região em troca da cooperação de Rabat.

Jogadores de Marrocos comemoram vitória sobre o Canadá, na primeira fase da Copa
Jogadores de Marrocos comemoram vitória sobre o Canadá, na primeira fase da Copa - Antonin Thuillier/AFP

Os governos europeus rejeitaram endossar o acordo, que eles desprezaram como mais uma ação impulsiva e irresponsável do presidente americano. Rabat reagiu com uma escalada que levou ao fechamento da fronteira com a Espanha em 2019.

A queda de braço mostrou que as relações entre europeus e o reino marroquino são menos assimétricas do que se pensava. Rabat é um parceiro essencial de Madri no controle da imigração e na luta contra o terrorismo.

O impasse também isolava a Espanha das suas enclaves de Ceuta e Melilla, situadas no norte do território marroquino. Com a eclosão da Guerra da Ucrânia, que transformou a África do Norte em um parceiro energético essencial para a Europa, Madri se viu obrigada a abraçar o pragmatismo e fazer novas concessões a Rabat.

O episódio foi celebrado como um triunfo diplomático por Marrocos. Além da Espanha, Rabat tem buscado mudar o padrão das relações com o governo de Emmanuel Macron, aproveitando a sua posição privilegiada de maior receptor de investimentos franceses e de principal investidor em países africanos.

Para o rei Mohammed 6º, a escalada diplomática é uma forma de compensar a perda do ímpeto reformista do seu reinado iniciado em 1999 e, sobretudo, de escrever uma nova página na história entre Marrocos e a União Europeia.

Em 1987, um ano depois da primeira qualificação de Marrocos para as oitavas de final da Copa do Mundo, o seu pai e predecessor Hassan 2º foi informado por Bruxelas que o seu país não era elegível para a adesão ao bloco comercial europeu.

Uma pequena humilhação, que parecia condenar Marrocos a se tornar uma imensa reserva turística dos europeus. Quase 40 anos depois, o país entra em campo como uma potência regional descomplexada, em posição de negociar de igual para igual com as capitais europeias.

Ainda é cedo para dizer se a virada será duradoura, mas a arte defensiva do seu futebol deixa uma certeza: os marroquinos sabem ser pacientes.

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