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Copa Libertadores

Futebol do Flamengo consegue converter até torcida arco-íris

Há tricolores, vascaínos e botafoguenses que passarão longe de torcer pelo River

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Rio de Janeiro

O Flamengo chega à final da Libertadores, neste sábado (23), contra o River Plate (ARG), mobilizando tanto o entusiasmo da maior torcida do país quanto uma legião também gigantesca de secadores. Nada de novo até aí.

Ou melhor, nada de novo com exceção da intensidade especial de um lado e do outro, na paixão a favor e na paixão contra. O rubro-negro está acostumado aos superlativos.

A novidade é algo que, tendo tido o privilégio de crescer na era Zico, este coração vermelho e preto nunca havia visto até poucas semanas atrás: um sutil mas decisivo desbotamento nas margens do arco-íris.

Flamenguistas voltam a uma final de Libertadores após 38 anos
Flamenguistas voltam a uma final de Libertadores após 38 anos - Mauro Pimentel/AFP

Não me refiro ao fenômeno meteorológico nem ao símbolo LGBT. Os torcedores rubro-negros chamam de torcida arco-íris aquela que se forma quando as cores de todos os times do Rio se irmanam contra o Flamengo, ou seja, sempre.

Ou assim era até recentemente, quando a unanimidade começou a exibir rachaduras. Tenho encontrado torcedores de Fluminense, Vasco e Botafogo que não conseguem disfarçar –e muitas vezes nem tentam– o brilho nos olhos com o futebol jogado pela equipe de Jorge Jesus.

Trata-se de uma minoria, certamente, mas o ineditismo do fenômeno é digno de nota. Por alguma razão, a superioridade incontestável deste Flamengo sobre seus próprios times enfraqueceu seu antiflamenguismo natural em vez de reforçá-lo.

Nem um supercraque como Zico –jogador de um tamanho que a equipe de hoje não passa perto de ter, embora disponha de craques– conseguiu operar tal milagre. Pelo contrário, foi em seu tempo que o arco-íris se consolidou.

Hoje há um punhado de tricolores, vascaínos e botafoguenses que passarão longe de torcer pelos argentinos, mesmo que vistam seu apoio íntimo ao clube da Gávea com o disfarce do distanciamento olímpico ou indiferente.

Se isso ocorre até com rivais diretos, é legítimo supor que tenha curso ainda mais livre no resto do país. Um espírito patriótico diria que estamos vendo a confirmação daquele slogan televisivo bocó: "É o Brasil na Libertadores". Em parte, talvez.

O fator decisivo me parece esportivo e não cívico, mais ligado ao futebol do que à pátria. O Flamengo 2019 encanta muitos do outro lado da cerca porque bate um bolão redondo, ofensivo, alegre, inteligente e leve que parecia ter sido exilado dos nossos gramados para sempre.

Todo torcedor que se preze ama seu clube acima de tudo, mas quem gosta de futebol não fica indiferente à beleza numa hora dessas. Nem que seja para secar melhor, presta uma atenção que é vizinha do enamoramento.

Além das qualidades do time, o contexto ajuda. Já não parecia possível que a beleza se materializasse entre nós em momento de autoestima tão baixa, pós-7 a 1, com nossos clubes conformados a um patamar incomparavelmente inferior ao dos europeus e a seleção atolada em mediocridade.

Um país que ama futebol e um time que ama jogar futebol só podem dar liga. Faz muito sentido ser o Flamengo a nos lembrar dessa mágica simples, mas, cores à parte, que ela tenha ficado esquecida por tanto tempo é algo que o Brasil precisará explicar a si mesmo.

Escritor e jornalista, autor de “O Drible” e “Viva a Língua Brasileira”

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