Vizinha da Rússia, mas em crise diplomática com o país desde 2014 por causa da disputa da Crimeia e do conflito de Donbass, a Ucrânia quase ficou sem transmissão da Copa do Mundo pela TV.
Somente a duas semanas do início do torneio houve a confirmação de que as 64 partidas serão mostradas. A Ucrânia não se classificou para o Mundial deste ano.
O time acabou em terceiro em seu grupo das eliminatórias europeias, que tinha Islândia e Croácia, duas seleções que disputarão a Copa.
De última hora, o canal Inter, cuja linha editorial é favorável ao governo de Vladimir Putin, acertou a compra dos direitos da competição. Exibirá os jogos junto com o NTN, canal que controla.
Originalmente, os direitos na Ucrânia para televisão, rádio e internet pertenciam à emissora estatal Companhia Pública Nacional de Transmissão da Ucrânia. Haviam sido adquiridos em 2013, antes da crise entre os países.
Em fevereiro deste ano, porém, o presidente do canal, Zurab Alasania, disse que não faria sentido transmitir jogos sem a presença da seleção local e sediados em um país que hoje é considerado inimigo.
Investimos muito dinheiro para a compra dos direitos. É uma decisão difícil, mas não exibiremos o torneio, afirmou à agência russa Tass.
Em dezembro, o sorteio dos grupos para a Copa também não foi exibido pela emissora.
A partir daí, a EBU (União das Emissoras Europeias), responsável por licenciar os direitos de mídia na Ucrânia para a Copa, precisou procurar uma nova parceira. Encontrou no canal Inter.
A bronca de muitos ucranianos com a Rússia é tamanha que o deputado Oleg Liashko, do Partido Radical, propôs uma lei para impedir a transmissão do Mundial em qualquer mídia. Até agora, o projeto não obteve o número suficiente de assinaturas para ser colocado em votação. Uma nova tentativa deve ser feita nesta semana.
A transmissão da Copa do Mundo viola os direitos legítimos e os interesses dos cidadãos ucranianos, diz trecho da proposta de Liashko.
Procurada, a Fifa informou à reportagem que existem jornalistas ucranianos credenciados para a cobertura do torneio e outros em fase final de credenciamento. Alguns jornalistas ucranianos nos contataram e receberam seus logins para credenciamento. Mas não podemos ser mais específicos, disse a entidade.
Em março, em entrevista à Folha, o diretor-executivo do COL (Comitê Organizador Local), Alexei Sorokin, afirmou que não haveria nenhum impedimento para o trabalho de jornalistas ucranianos e que eles não correm riscos ao visitar a Rússia.
Por que eles teriam problemas aqui? A Rússia garantirá a segurança de jornalistas ucranianos, assim como de repórteres de todos os países. Não há como fazer segurança discriminando por raça ou etnias, disse o dirigente.
Em maio, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia recomendou que cidadãos do país não viajem à Rússia para a Copa. Entretanto 5.000 ingressos foram adquiridos por ucranianos, segundo a Fifa.
Se torcedores usarem símbolos nacionalistas ucranianos, talvez tenham que se preocupar com algo. Caso contrário, será tranquilo. Imagino que pessoas que são totalmente contra a Rússia não vão viajar para a Copa, disse o jornalista ucraniano Igor Boiko, do site Sportarena.
Para ele, a aquisição dos direitos pelo Inter reforça polêmicas em que o canal esteve envolvido nos últimos anos.
Não existe canal mais a favor da Rússia do que este em nosso país. Muitos acreditam que ele já deveria ter sido fechado, afirmou.
Cobrindo 99,7% do território ucraniano, o Inter transmite muitos seriados e programas de origem russa. Em 2015, foi duramente criticado por exibir um especial de Ano Novo com diversos astros russos que aprovaram a anexação da Crimeia.
Em setembro de 2016, a emissora foi atacada e bloqueada por três dias por voluntários de uma força especial da polícia ucraniana. Eles criticavam o canal pela suas posições e exigiam seu fechamento, o que não aconteceu.
Europa proíbe jogos entre times e seleções de Rússia e Ucrânia
O futebol sente há meses os efeitos da crise diplomática entre Rússia e Ucrânia.
Nas competições europeias, as equipes dos países e suas seleções nacionais estão proibidas de se enfrentar.
Para garantir isso, a Uefa tem dirigido os sorteios de confrontos, e não há data para o fim do bloqueio. O mesmo acontece, por exemplo, com as equipes de Armênia e Azerbaijão, países que travaram guerra nos anos 1980 e 1990.
A Federação Ucraniana negou ingressos a que teria direito para a Copa, mesmo sem disputá-la, e não mandará representantes para o Congresso da Fifa, em 13 de junho, que definirá a sede do Mundial de 2026.
Em outras modalidades, desde março, atletas ucraniano não contam com o apoio do governo para participar de competições na Rússia.
A reportagem tentou entrar em contato com pessoas responsáveis pelo canal Inter, mas não obteve resposta. São 219 os países e territórios que verão ao vivo a Copa da Rússia, número que ainda pode crescer até 14 de junho.
Relação de Rússia e Ucrânia está abalada desde 2014
Em 2014, conflitos violentos em Kiev resultaram na derrubada do presidente da Ucrânia Viktor Yanukovitch (pró-Kremlin).Em seguida, os russos anexaram a Crimeia, seu antigo território que fora cedido à Ucrânia em 1954.
A reabsorção, aprovada em plebiscito, levou a sanções ocidentais contra a Rússia, mas se tornou fato consumado.
Já a guerra em Donbass, em curso, envolve forças ucranianas e separatistas pró-Rússia, que Kiev acusa de serem financiadas por Moscou
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