Várzea é refúgio dos que não vingaram e buscam nova chance

Jogadores vivem de cachês de equipes amadoras e sonham com profissional

Jogadores disputam bola durante partida em campo de várzea, em São Paulo

Jogadores disputam bola durante partida em campo de várzea, em São Paulo Marlene Bergamo/Folhapress

Alberto Nogueira Alex Sabino
São Paulo

Diego Henrique Freire, 28, teve o mesmo sonho de milhões de jovens. Ser ídolo no futebol profissional e fazer gols em estádios lotados. Em parte, deu certo, mas não como ele esperava.

Conhecido como Diego Alemão, ele encontrou a realização de suas aspirações no futebol de várzea de São Paulo. Seguiu o caminho de outros atletas que ainda desejam assinar contrato com algum clube profissional. 

"Eu me apaixonei pela várzea. O que eu não consegui no profissional, obtive aqui. O futebol profissional é política, empresário... Muitos caras com quem joguei não eram tão bons, mas o empresário ajudou. Hoje tem muito jogador bom perdido nas equipes de várzea", afirma o volante --ele atua também como zagueiro-- que passou por equipes profissionais pequenas da região Sul do país.

Formado em marketing, Diego está desempregado e consegue alguma renda graças aos jogos nos fins de semana.

Ele atua por três times diferentes. O único que lhe dá pagamento fixo é o Itapeva, de Mauá, do qual recebe R$ 1.000 por mês, jogando ou não.

Já quando defende as cores do Capim Maluco de Guarulhos ou dos Falcões da Vila Prudente (zona leste de São Paulo), recebe um cachê que varia de acordo com o número de jogos ou o campeonato disputado.

Chega a conseguir mais R$ 1.000 por mês com esses bicos da bola.

 

Colega de time de Alemão no Itapeva, Bruno Bertucci, 28, já viu de perto como é jogar profissionalmente em grandes centros do futebol.

Lateral esquerdo formado nas categorias de base do Corinthians, ele despontou para o futebol como campeão da Copa São Paulo de 2009. Foi um dos destaques do time ao lado do meia Boquita.

"As vezes eu acordo e penso: 'hoje vou jogar no terrão'. Mas tudo faz parte de um aprendizado. Atualmente, a várzea me mantém. Difícil arrumar outra coisa para fazer quando você dedicou sua vida toda ao futebol", afirma.

DA EUROPA À VÁRZEA

Ao chegar ao profissional, Bertucci foi emprestado ao São Caetano e depois para o Bragantino. Em 2011, transferiu-se para o Grasshopper, da Suíça, pelo qual chegou a disputar jogos das fases preliminares da Liga dos Campeões. 

Na temporada seguinte, foi para o Neftchi Baku, do Azerbaijão. Jogou a Liga Europa. Lá, segundo o atleta, recebia 20 mil dólares por mês (cerca de R$ 69 mil, na cotação atual), bem acima dos R$ 2.000 que fatura com cachês por jogos nas quatro equipes em que atua na várzea.

A carreira chegou a esse ponto, segundo ele, por uma decisão errada que tomou quando estava no Azerbaijão. 

"Eu ainda tinha dois anos de contrato, mas queria voltar para o Brasil, fazer um bom campeonato e chamar a atenção de um time grande. Apareceu a Portuguesa, que, mesmo eu sabendo dos problemas financeiros, tem história e poderia ser uma ponte."

​​Bertucci, que chegou na equipe paulista no começo de 2015, ficou sem receber e saiu seis meses depois.
"Desde que voltei ao Brasil, minha carreira foi ladeira abaixo. As coisas aqui são uma bagunça. Eu me arrependo financeiramente e profissionalmente de ter voltado. Até lesão, coisa que nunca tive, passei a ter aqui", desabafa.

O jogador chegou ao fundo do poço --de acordo com ele próprio-- no ano passado, quando foi suspenso por dois anos por doping.

Um exame realizado quando ele disputava a Série A3 do Paulista pelo Atibaia detectou a presença de uma substância diurética na urina do jogador.

De acordo com o atleta, o doping foi resultado do uso do anti-inflamatório Diprospan, que teria sido receitado pelo departamento médico do Atibaia. Procurado pela Folha, o clube disse que o jogador tomou o medicamento por conta própria e não avisou a agremiação.

O lateral espera voltar ao futebol profissional a partir de fevereiro de 2019, quando acaba a sua suspensão.

"A várzea ajuda a me manter em forma e financeiramente. Tenho esperança", afirma o jogador, que já se acostumou aos contratempos inerentes dos jogos amadores.

Os campos nem sempre são gramados. Se forem de terra, uma manhã chuvosa pode impedir a partida. A torcida pode ser pequena, mas é fiel.

Diego Alemão afirma ter jogado uma final da Libertadores da Várzea --torneio que não existe mais-- para 17 mil pessoas no Pacaembu. Atuou pelo Sedex, de Cidade Tiradentes (zona leste da capital).

Ele já aceitou sua nova realidade. Diz que, pela idade e trajetória que teve ao tentar jogar futebol profissional, a várzea é uma boa substituta.

Sente o gosto de estar no mundo da bola, ganha dinheiro com isso e é respeitado.

"Mesmo se arrumar outro emprego, completo [minha renda] com a várzea. Fica uma grana boa", diz.

Carro é tão importante quanto chuteiras

Para os profissionais do amadorismo, um veículo próprio (seja moto ou carro) é item de primeira necessidade. Com mais de um jogo por dia nos fins de semana, é inviável tentar chegar a todos os compromissos contando apenas com o transporte público em São Paulo.

Depois de uma partida pela manhã na zona sul, encaram outra no início da tarde do outro lado da cidade. Para se manter como um profissional da várzea, ter seu próprio meio de transporte é quase tão importante quanto as chuteiras.

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