Descrição de chapéu Todas aborto STF

Presidente do Cremesp afirma, sem provas, em CPI que alguns abortos feitos no Cachoeirinha eram ilegais

Angelo Vattimo fala em mais de cem prontuários analisados pelo órgão em oitiva da comissão sobre violência contra as mulheres na Câmara Municipal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), Angelo Vattimo, afirmou que o órgão acessou mais de cem prontuários de pacientes que realizaram abortos no Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, e que alguns dos abortos aparentam ser ilegais. Ele fez a declaração sem dar detalhes ou provas da ilegalidade dos procedimentos.

Vattimo foi ouvido na audiência da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Violência e Assédio Sexual Contra Mulheres sobre questões relacionadas ao aborto legal, em uma intimação feita pela vereadora Silvia Ferraro (PSOL).

Ato pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e Caribe, na avenida Paulista - Bruno Santos - 28.set.2023/ Folhapress

No início do mês, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o acesso da Prefeitura de São Paulo a dados sigilosos de pacientes que fizeram aborto legal no Vila Nova Cachoeirinha. Em dezembro do ano passado, a prefeitura suspendeu procedimentos de interrupção de gestação para casos previstos em lei.

O aborto é permitido no Brasil em casos de estupro, risco de vida para a gestante e quando o feto é anencéfalo. Em todos esses cenários, segundo a Constituição, não existe nenhuma restrição para a idade gestacional do feto no momento do aborto.

Vattimo afirmou que hospitais não podem disponibilizar prontuários para a polícia ou para o Ministério Público sem ordem judicial, mas que a fiscalização do Cremesp pode acessar os prontuários sem necessidade de registro de ofício.

Raphael Câmara Parente, autor da resolução do CFM que proíbe a assistolia fetal, disse que os órgãos regulatórios da classe médica têm essa prerrogativa.

Tanto o Cremesp quanto o CFM (Conselho Federal de Medicina) haviam sido intimados no início do mês a prestar esclarecimentos na CPI sobre a suspensão do serviço de aborto legal no Vila Nova Cachoeirinha e sobre a resolução que proíbe a assistolia fetal em casos de gestação advinda de estupro. Em casos de risco à vida da mãe e anencefalia fetal, o procedimento continuava válido sem sanção aos médicos.

O Cachoeirinha era o hospital de referência, em São Paulo, para a realização de abortos a partir de 22 semanas de gestação e ao menos duas médicas da instituição foram processadas pelo Cremesp e tiveram seus registros suspensos.

Silvia Ferraro, do PSOL, afirma que é necessário investigar o acesso aos prontuários, que levou à suspensão das médicas, uma vez que foi feito "sem justificativa". Ela diz que a decisão do órgão de procurar esses prontuários veio com uma intenção ideológica.

A presidente da mesa, Sandra Tadeu (PL), afirmou que as médicas devem ser ouvidas nas próximas sessões. Ela não citou os nomes das profissionais quando anunciou a intimação. Hoje, o processo do Cremesp é sigiloso e o requerimento de oitiva precisa ser nominal, lembra Ferraro.

A CPI correu com diversas interrupções por ativistas favoráveis ao direito ao aborto e também contrários. O vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que não faz parte da comissão da CPI, interrompeu a presidente da mesa diversas vezes sugerindo que os ativistas pró-direito ao aborto, aos quais se referiu como "assassinos de bebês", fossem retirados da sala, mas que os contrários ao procedimentos fossem mantidos.

A assistolia fetal foi o tema que abriu a sessão, com o depoimento de Raphael Câmara Parente, em nome do CFM. O procedimento é recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para casos acima de 20 semanas e é tido pelos protocolos nacionais e internacionais de obstetrícia como a melhor prática nesses casos.

A oitiva ocorreu num cenário diferente daquele em que foi solicitada, já que, na última sexta-feira (17), o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu a resolução do CFM até apreciação no plenário da corte, a partir de 31 de maio.

Para Moraes, "o CFM aparentemente se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional, e transborda do poder regulamentar inerente ao seu próprio regime autárquico".

Câmara exibiu um vídeo sobre o funcionamento da assistolia fetal feito pela médica Patti Giebink, ginecologista autora do livro "Unexpected Choice: an abortion doctor’s journey to pro-life", algo como escolha inesperada: a jornada de médica que faz aborto para o ativismo pró-vida, termo usado por quem é contrário ao direito das mulheres de acessar o aborto.

O médico afirmou ser favorável à opção pelo aborto apenas em casos de risco à vida da gestante. Ele foi secretário de atenção primária do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e é conhecido por ser um dos responsáveis por uma cartilha que minimizava os riscos da gravidez em crianças e adolescentes. Durante a sessão da CPI, ele afirmou que gestantes de 35 anos têm mais risco de morrer do que meninas de 13.

Tanto ele quanto Angelo Vattimo, do Cremesp, afirmaram que a OMS "tem lado" e Vattimo chegou a citar que Taiwan não participa da organização porque a China exerce influência sobre o órgão.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.