Quando a psicóloga Neliane Lazarini de Sousa, 58, descobriu que tinha síndrome metabólica, um conjunto de alterações hormonais e do metabolismo que amplia riscos de saúde, já estava com um quadro mais grave instalado. "Estava me sentindo cansada, com pouca energia até para as atividades mais simples. Imaginei ser uma deficiência de vitaminas. Fiz exames para confirmar minha suspeita, mas descobri o diabetes. Gostaria de ter sabido como fazer o diagnóstico precoce", lamenta.
Assim como Lazarini, pouca gente sabe da gravidade do distúrbio metabólico ou como ele amplia as chances de mortalidade para doenças cardíacas e do desenvolvimento de diabetes crônica. Em 2020, um estudo feito pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) estimou que, naquele período, a prevalência de síndrome metabólica na população brasileira já chegava a 38,4%, ou quase quatro a cada dez pessoas no país.
A pesquisa levou em consideração dados laboratoriais da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) do governo nacional com intervalo de confiança de 95%. A circunferência da cintura grande (65,5%) e colesterol HDL baixo (49,4%) foram os componentes mais prevalentes, inclusive em jovens. O autores apontaram ainda que a ocorrência da síndrome "foi maior entre mulheres (41,8%), indivíduos com baixa escolaridade (47,5%) e idosos (66,1%)".
"Esses achados revelam a necessidade de considerar dados laboratoriais para uma análise mais precisa dessa condição", afirmam no artigo,
O último levantamento da Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do primeiro semestre de 2023, elaborado pelo Ministério da Saúde, trouxe o percentual de adultos do Distrito Federal que se referiram ao diagnóstico de hipertensão, diabetes, excesso de peso e obesidade ao falarem de seus quadros.
Também avaliou a frequência de hábitos como tabagismo, consumo de álcool, prática de exercícios físicos e alimentação com frutas, vegetais e leguminosas. Não houve menção no documento ao termo "síndrome metabólica", embora todos esses pontos sejam ligados diretamente à possibilidade ou não do distúrbio.
Para combater a desinformação sobre o tema, o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) produziu um material educativo exclusivo sobre a síndrome metabólica, escrito pela nutricionista Yassana Marvila Girondoli. No texto, a autora ressalta que o distúrbio é silencioso, o que significa que "a maioria das pessoas não apresenta sintomas."
Sem saber que podem estar doentes, os acometidos acabam iniciando o tratamento adequado com atraso. "Principalmente naquelas pessoas que não têm o hábito de realizar acompanhamento médico. Tal situação pode favorecer o desenvolvimento de doenças graves, aumentando o risco de morbidade e mortalidade na população", afirma Girondoli no documento.
A Ifes também registra que a síndrome metabólica tem "contribuído para o surgimento de outros problemas de saúde", entre eles: síndrome de ovário policístico em mulheres, baixa testosterona plasmática e disfunção erétil (homens), apneia do sono, doença renal crônica, acantose nigricans (manchas escuras na pele na região do pescoço, axila e virilha), acúmulo de gordura no fígado, ácido úrico elevado, estados pró-trombóticos, pró-inflamatórios e de disfunção endotelial".
Segundo a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), o consenso médico internacional é de que o diagnóstico da doença pode acontecer quando há presença de resistência à insulina e acúmulo de gordura abdominal somados a quadros como de hipertensão arterial, baixo colesterol HDL e/ou glicose elevada.
Fernando Gerchman, endocrinologia, diretor da Abeso e professor da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que nos últimos dez anos a prevalência de síndrome metabólica demonstrou uma tendência de aumento. Entre dois grandes estudos nacionais (um de 2013 e outro de 2022), a incidência média saltou de 29,6% para 33%.
"Com o aumento da prevalência de obesidade no Brasil, certamente estes números estão piores", pondera Gerchman.
No caso de Lazarini, o conhecimento da síndrome e o diagnóstico precoce poderiam ter evitado que o tratamento dela hoje passe pelo uso contínuo de duas injeções diárias de insulina. "Acho que a cultura de buscar médico quando o problema já existe, ao invés de fazer a prevenção, ainda é muito forte. Todos deveriam fazer acompanhamento regular para identificar qualquer alteração e intervir rapidamente", diz ela.
Ainda assim, a psicóloga está otimista por ter encontrado tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e estar sob orientação para controlar o conjunto de doenças da síndrome. "O primeiro exame que realizei foi particular, em promoção de Outubro Rosa em um laboratório da minha cidade. Depois confirmei o diagnóstico no Hospital das Clínicas (HC) . A medicação que uso, assim como o glicosímetro para o controle diário da glicemia, consigo através do SUS", conta.
A psicóloga tem investido também em um novo estilo de vida e, em apenas três semanas, viu a glicose no sangue baixar de 398 para algo em torno de 120 —o ideal, em média, é ficar entre 56 e 69. " Sei que não basta estabilizar, terei que manter a disciplina se quiser ganhar anos de sobrevida. O meu tipo de diabetes é reflexo das más escolhas que fiz ao longo da vida", avalia.
Lazarini tem feito acompanhamento com nutricionista e tem mudado hábitos alimentares. "Estou aprendendo quais são os melhores alimentos para me ajudar a baixar a glicemia. Também passei a ingerir mais água. Iniciei caminhadas, pois era muito sedentária. Espero que a evolução do meu tratamento chegue, em breve, num ponto onde eu não dependa mais da insulina", relata.
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