No começo de abril, a contabilista Flávia Lima, 27, teve coriza, dor no corpo, dor de cabeça e perda do paladar e do olfato, sintomas da Covid-19. Preocupada, foi a duas unidades de saúde de Guaianases, na zona leste de São Paulo, para fazer o teste, mas não conseguiu.
“Tinha umas cinco pessoas esperando, a cada atendimento faziam a higienização do consultório, demorava uns 30 minutos cada”, diz. No pronto-socorro municipal, Julio Tupy, teve a mesma dificuldade.
Sem opção na rede pública e com sintomas mais graves, procurou uma farmácia para fazer a testagem. Gastou R$ 113 no exame do tipo PCR, que confirmou a contaminação. “Foi a solução mais rápida. Precisava saber para me isolar e não arriscar outras pessoas.”
Problema desde que a pandemia começou, a dificuldade para fazer testes de Covid-19 e a demora no resultado seguem como obstáculos à contenção do avanço da doença em bairros onde casas pequenas, aglomerações no transporte público e a busca por renda para o sustento familiar impedem a proteção de uma parcela da população.
Para tentar amenizar a gravidade da situação, organizações de favelas no país têm se mobilizado para aumentar a testagem entre os mais pobres.
Em Paraisópolis, segunda maior comunidade da capital, centenas de pessoas foram testadas nos últimos meses. “Sabemos que essa deveria ser uma iniciativa do poder público”, comenta Gilson Rodrigues, 36, presidente do G10 Favelas, organização sem fins lucrativos de impacto social, e líder comunitário.
Para ele, a testagem deveria ser vista como parte do plano para combater a pandemia nas favelas. Enquanto uma pessoa que está com Covid-19 não tem o resultado, pode transmitir o vírus a várias outras.
“O problema é que na favela não há como se isolar, se uma não tem o resultado, não é testada, ela pode contaminar os familiares, pessoas no transporte público, no trabalho, nas igrejas”, ressalta Gilson.
No ano passado, no começo da pandemia, a Associação de Moradores de Paraisópolis comprou mais de 20 mil testes, doados para as unidades básicas de saúde da região.
Neste ano, o G10 Favelas conseguiu a doação de 33 mil testes rápidos para comunidades de São Paulo. Além de Paraisópolis, as favelas Vietnã e Heliópolis, na zona sul, além da região de Cidade Tiradentes, na zona leste, foram beneficiadas.
Na zona leste, até a última ação, na primeira semana de abril, foram cerca de 450 testagens, sendo três resultados positivos. Cada teste sai por R$ 15 e serve para pagar os custos da própria ação, como o valor dos profissionais de saúde envolvidos.
Para Fernanda Mota, 34, envolvida no projeto, os testes rápidos são uma maneira de driblar as dificuldades enfrentadas nos hospitais e UBS na busca dos resultados. “É mais uma oportunidade de fazer com que as pessoas se cuidem depois de uma resposta rápida”, diz. “É uma forma de proteger nossa comunidade e fazer com que o vírus não se propague.”
Na favela da Tribo, distrito da Brasilândia, zona norte de São Paulo, que por alguns meses foi o epicentro da doença na capital paulista, algumas pessoas adoeceram sem ao menos ter feito teste.
“Não tem como testar e isso é muito difícil para nós aqui. Quando testa, o resultado demora muito”, diz a líder comunitária Irani da Silva Guedes, 47.
A dificuldade se estende para a Grande São Paulo. Em Guarulhos, a segunda maior cidade do estado, uma ação da Cufa (Central Única das Favelas) testou cerca de cem pessoas durante uma ação no começo deste mês no bairro Ponte Grande.
Nas comunidades, os líderes comunitários selecionam as famílias que mais precisam do resultado. Depois de testados, de forma gratuita, os moradores são avisados do resultado. Um dos objetivos da entidade é fazer uma pesquisa para compreender o nível de infecção por Covid-19 nas favelas do estado.
“A ação ajuda aqui, pois quem procura os postos de saúde geralmente não consegue fazer o teste. Tem uma dificuldade que não é recente”, diz o líder comunitário Márcio Roberto, 46, mais conhecido como Tita, presidente da Cufa na região.
Quarta maior cidade do estado, São Bernardo do Campo também soma relatos de problemas com testes. No município que teve 2.093 vítimas da Covid até 22 de abril, o tempo de espera pelo resultado é um dos maiores problemas, de acordo com a líder comunitária Rosa Maria de Souza, 48.
Ela mora no bairro Montanhão, o segundo com maior número de casos na cidade. Desde o começo da pandemia até o último boletim divulgado, no dia 22, foram registrados 5.981 casos, atrás somente do centro, com 6.073 casos. ”As pessoas até conseguem fazer, porém em alguns casos demoram muito para saber a resposta”, aponta.
Um exemplo foi a filha dela, que soube do resultado depois de duas semanas, quando já havia voltado a trabalhar. Ela diz que os profissionais de saúde do município ficam de ligar, mas acabam não retornando. “Nisso, as pessoas podem transmitir sem saber seu resultado.”
Segundo Ana Karolina Marinho, médica do Departamento Científico de Imunização da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), testar em massa a população é a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para enfrentar a disseminação do vírus.
“A realização, em larga escala, de testes para detectar indivíduos contaminados, combinada com o isolamento social, é o caminho ideal para proteger a população da pandemia até que tenhamos grande parte da população imunizada”, afirma.
Ana Karolina reforça que para elaborar estratégias de enfrentamento e programar as demandas, como de leitos hospitalares, a sociedade precisa conhecer o real número de casos. Se não for possível identificar os infectados, não há como isolá-los para evitar a cadeia de transmissão da pandemia.
A especialista diz que o país tem uma população enorme e heterogênea e que, em sua visão, há uma vontade de todas as esferas de governo de atender as demandas, como as estratégias de vacinação, atendimento ambulatorial e as medidas de distanciamento. “Os desafios para oferecer a mesma oportunidade e acesso à saúde para todos são grandes.”
A Prefeitura de São Bernardo afirmou que realizou até o momento 268.616 testes de Covid-19 e que os bairros com maior incidência são os mais testados, casos do Montanhão, Centro, Baeta Neves, Ferrazópolis e Alvarenga.
"Todo paciente que chega a uma unidade de saúde com queixas e sintomas da doença passa por avaliação médica, bem como realiza o teste. O tipo de exame que ele realizará depende do quadro clínico, sendo indicado o RT-PCR para os primeiros dias de sintomas e sorológico para depois de sete dias da manifestação da doença", afirma a gestão, que cita que 34 UBS, 9 UPAs e o Pronto Atendimento do Taboão oferecem atendimento a quem tem suspeita de Covid.
Após a publicação da reportagem, a Prefeitura de São Paulo enviou uma nota em que afirma que, até 24 de abril, foram realizados 2,7 milhões de testes, sendo 1,9 milhão de exames RT-PCR, 500 mil testes rápidos e 292 mil sorológicos. "A testagem está disponível em todas as unidades de saúde, desde que o paciente atenda as recomendações realizadas pelo Ministério da Saúde", afirma a gestão.
A Prefeituras de Guarulhos não respondeu para a Folha.
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