Terreno f�rtil
Mentores da 3� maior ONG ambiental do pa�s, casal inova ao integrar comunidades empobrecidas � paisagem local
O administrador Claudio, 61, e a designer Suzana Padua, 58, podem ser vistos como um casal comum.
Conversam sobre os filhos antes de dormir, trocam olhares ora carinhosos, ora de reprova��o, pensam na viagem de fim de ano em fam�lia e planejam as contas a pagar.
O bi�logo Claudio e a educadora Suzana tamb�m formam uma dupla fora do comum.
Criaram a terceira maior ONG ambiental brasileira, o Ip� (Instituto de Pesquisas Ecol�gicas), pioneira no pa�s ao abrir um curso pr�prio de mestrado.
A diferen�a nada t�nue entre o trivial e o especial est� em uma caracter�stica preponderante que p�e em relevo o casal -o primeiro a vencer o Pr�mio Empreendedor Social no Brasil: sua natureza agregadora.
Juntos, Claudio e Suzana s�o os principais respons�veis por uma teia de mais de 10 mil pessoas, entre benefici�rios do Ip� e seus apoiadores.
Ao instituto, integraram desde empres�rios de renome, como Guilherme Leal, da Natura, e Juscelino Martins, do Grupo Martins, at� assentados do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e gestores locais.
Nessa trilha nem sempre bem demarcada, contaram com a for�a m�tua de quem se complementa pelas diferen�as.
Alto, reflexivo e de fala mansa, Claudio se encarrega no Ip� dos ramos t�cnicos e acad�micos voltados � conserva��o da biodiversidade.
Baixinha, en�rgica e de riso estridente, Suzana cuida da raiz social do instituto.
"Ela � a parceira, a alma g�mea desse processo e uma boa parte da energia de tudo o que aconteceu. A gente se complementa muito", define Claudio, que, ironicamente, aproximou-se de Suzana pela admira��o que nutria por seu pai, � �poca um ex�mio ca�ador carioca.
O namorico na sala de ca�a foi o inusitado come�o de um casamento em prol da conserva��o ambiental aliada ao desenvolvimento sustent�vel local que j� dura 37 anos.
Plantar verde
At� que o Ip� florescesse maduro nas seis regi�es em que atua pelo Brasil, contudo, muito verde teve de ser plantado.
De fam�lias tradicionais -Claudio � sobrinho do ex-governador Valladares, de Minas, e Suzana, bisneta do representante do rei de Portugal no Brasil-, deixaram a vida confort�vel de executivo e designer, respectivamente, para se embrenharem nas matas selvagens no Pontal do Paranapanema (SP).
"Pensei: 'Ou me dedico a ganhar dinheiro para comprar o meu tempo ou me dedico a fazer o que gosto para ganhar o meu tempo'", teoriza Claudio, que ficou com a segunda op��o, ao voltar do mestrado nos EUA.
Se, para o bi�logo, nada o faria desviar-se de sua miss�o -a de trabalhar a biologia da conserva��o e salvar o mico-le�o-da-cara-preta-, para Suzana, tratou-se de um come�o �rido.
"N�o tinha dinheiro para pagar a conta de luz, peguei leishmaniose, e os 'coron�is' amea�avam meus filhos. Fiquei magoada com a vida, com o Claudio, do�a por dentro", lembra.
Mas a revolta inicial aos poucos deu lugar a um novo olhar: o da educa��o ambiental, que transformou as atividades realizadas pelo marido, focadas na ecologia, e foi definitivo para que o Ip� fincasse as ra�zes atuais, com o vi�s social.
"Embora ela tenha levado um tempo para se engajar, no momento em que entrou, fez toda a diferen�a", diz Claudio.
De estudos ecol�gicos, o programa expandiu-se para educa��o ambiental, recupera��o de habitats e solu��es de desenvolvimento para comunidades.
Para o futuro, o Ip� semeia a integra��o de economia, ambiente e sociedade.
O pagamento de servi�os ambientais, como a absor��o de CO2 -em discuss�o neste momento em Copenhague-, j� � ensinado a gestores p�blicos nos projetos.
"Quero colocar a conserva��o no centro da economia. � uma miss�o forte, que est� no meu cora��o", crava Claudio.
"Chorei no in�cio no Pontal, mas chorei muito mais quando fui embora. A sensa��o de ter feito diferen�a d� uma sensa��o de prop�sito na vida, e isso me transformou para sempre", complementa Suzana.
Modelo une comunidades, fauna, flora e pol�tica
Nos locais onde atua, o Ip� adota um modelo integrado de conserva��o, que inclui pesquisa de esp�cies amea�adas, educa��o ambiental, restaura��o de habitats, desenvolvimento comunit�rio sustent�vel, conserva��o da paisagem e envolvimento em pol�ticas p�blicas.
"Come�amos em cada local com uma esp�cie amea�ada, o que n�o incomoda a princ�pio, at� chegarmos �s pol�ticas p�blicas", revela Claudio Padua.
"Tra�amos regi�es e decidimos o que queremos fazer. Isso d� foco para obter mudan�as centrais", refor�a Suzana Padua.
Com a cultura de abrigar quem ali encontrar solo f�rtil, o Ip� possui 30% de sua equipe com mestrado ou doutorado.
Esse quadro permitiu a cria��o do primeiro mestrado autorizado pelo MEC a uma ONG.
A Escas (Escola Superior de Conserva��o Ambiental e Sustentabilidade) hoje funciona em um s�tio, em Nazar� Paulista, e tem um campus de 4.000 m2 em constru��o.
"Buscamos aliar conserva��o da biodiversidade com sustentabilidade das comunidades", diz Suzana.
"N�o queremos pouca coisa. Queremos algo que d� uma contribui��o para o mundo."
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Conhe�a mais sobre a Ip�
Conhe�a o modelo Ip� de conserva��o
A miss�o do Ip� � desenvolver e disseminar modelos inovadores de conserva��o da biodiversidade que promovam benef�cios socioecon�micos por meio de ci�ncia, educa��o e neg�cios sustent�veis.
Para isso, realiza atividades focadas em:
- pesquisar esp�cies raras ou amea�adas e implementar planos de manejo conservacionista, integrando natureza com cativeiro, por meio da ado��o de t�cnicas de introdu��o, reintrodu��o e transloca��o dessas esp�cies;
- desenvolver programas de educa��o ambiental e extens�o agroecol�gica com as comunidades vizinhas �s �reas naturais;
- promover a capacita��o de profissionais em v�rias �reas da conserva��o, especialmente em biologia da conserva��o;
- influenciar pol�ticas p�blicas que beneficiam a conserva��o da biodiversidade no Brasil;
- restaurar, regenerar e reconstruir o habitat de esp�cies amea�adas de extin��o;
- obter apoio financeiro para os projetos em andamento;
- desenvolver projetos de capacita��o e propor alternativas sustent�veis de gera��o de renda para as comunidades do entorno das �reas protegidas a fim de diminuir a press�o sobre o ambiente;
- promover parcerias com empresas que adotam responsabilidades socioambientais de modo a ajudar a disseminar o potencial do mundo empresarial nas mudan�as necess�rias.
Nos locais onde atua, a organiza��o adota o modelo Ip� de conserva��o, desenvolvido com base nas experi�ncias obtidas com os anos de trabalho.
Trata-se de um modelo de a��o integrado que inclui pesquisa de esp�cies amea�adas, educa��o ambiental, restaura��o de habitats, envolvimento comunit�rio e desenvolvimento sustent�vel, conserva��o da paisagem e envolvimento em pol�ticas p�blicas.
Um dos objetivos do Ip� � conservar a biodiversidade respeitando as tradi��es das comunidades do entorno dos locais que precisam ser protegidos e onde s�o realizadas as pesquisas.
As alternativas sustent�veis de gera��o de renda surgem para criar novas fontes de sustento para as fam�lias dessas regi�es, o que auxilia na diminui��o da press�o humana sobre a biodiversidade local.
Em termos organizacionais, o instituto est� estruturado em tr�s blocos de atua��o.
O primeiro s�o as atividades de campo, com seis �reas em tr�s biomas (mata atl�ntica, Amaz�nia e pantanal).
O segundo foca a educa��o, com uma escola de cursos de curta dura��o (o Centro Brasileiro de Biologia da Conserva��o/CBBC) e o mestrado da Escola Superior de Conserva��o Ambiental e Sustentabilidade (Escas).
Finalmente, o terceiro cuida dos produtos comunit�rios, atendendo � base da pir�mide social com solu��es de desenvolvimento sustent�vel, com vistas � independ�ncia dos benefici�rios.
Avalia��o, impacto social e resultados
O instituto desenvolve metodologias para avaliar aspectos como os impactos ambientais, sociais, educacionais e pol�ticas p�blicas
Os benefici�rios dos programas do Ip� variam de acordo com o projeto.
No Pontal do Paranapanema, o nicho mais desenvolvido do instituto, existem mais de dez projetos interligados.
Entre os �ltimos resultados alcan�ados pelo instituto, destacam-se:
- Na esfera ambiental: restaura��o de 600 hectares de mata atl�ntica; produ��o de 890 mil mudas em viveiros agroecol�gicos; distribui��o de 11 mil mudas de esp�cies nativas � comunidade; plantio de um banco de recursos gen�ticos, com 3.000 mudas de esp�cies da mata atl�ntica; reintrodu��o de dois peixes-bois da Amaz�nia na natureza (in�dito no Brasil); abertura de um site no Pantanal para expans�o da Iniciativa Nacional para Conserva��o da Anta Brasileira e captura da primeira anta no Pantanal para instala��o de r�dio-colar e monitoramento; registro da presen�a de mam�feros de pequeno e grande portes em corredores e fragmentos florestais plantados pelo Ip� no Pontal
- Na esfera socioecon�mica: cria��o das cestas agroecol�gicas como nova alternativa de renda para assentados do Pontal do Paranapanema; instala��o dos primeiros pomares agroflorestais em Nazar� Paulista; mapeamento das cadeias de produtos da sociodiversidade
- Na esfera educacional: capacita��o de uma turma de sete alunos para conquistarem em 2009 o t�tulo de mestre pela Escas, no mestrado profissional em conserva��o da biodiversidade e desenvolvimento sustent�vel; mais de cem unidades de conserva��o beneficiadas com o curso "Introdut�rio de Gest�o de Unidades de Conserva��o da Amaz�nia", em parceria com a WWF Brasil; 560 pessoas capacitadas pelos cursos oferecidos pelo CBBC; capacita��o da equipe t�cnica do Ip� (cinco mestrados e dois doutorados conclu�dos)
- Na esfera financeira: in�cio das atividades da Arvorar, empresa de solu��es florestais subsidi�ria do Ip�; parceria em marketing relacionado � causa com a Faber Castell
Conhe�a os projetos do Ip� em seus seis nichos pelo pa�s
S�o 45 os projetos socioambientais desenvolvidos em seis nichos pelo Brasil. Entre eles, destacam-se:
1) Pontal do Paranapanema
As �guas V�o Rolar: visa atender �s necessidades b�sicas de uma reforma agr�ria sustent�vel nos assentamentos rurais
Corredores Florestais: t�m como principal objetivo a forma��o de corredores florestais que permitam o fluxo entre esp�cies da fauna e da flora isoladas nas ilhas e fragmentos de floresta
Abra�o Verde: consiste em uma faixa agroflorestada que envolve o Parque Estadual Morro do Diabo e os fragmentos de matas remanescentes, num grande abra�o que garante a prote��o dessas florestas e cria uma zona de benef�cios m�ltiplos (com �rvores que servem para lenha, madeira, frutos, gr�os e forragem), tanto para as comunidades vizinhas como para os ciclos naturais
Caf� com Floresta: promove a conserva��o e o reflorestamento da mata atl�ntica, por meio do cultivo sustent�vel do caf� org�nico, aliado ao plantio de �rvores nativas da floresta
Jovens EConscientes: estimula a busca do potencial transformador do jovem da regi�o, canalizando sua energia para a��es que representem benef�cios para a natureza e para a sociedade
2) Nazar� Paulista
Nascentes Verdes, Rios Vivos: promove educa��o ambiental e a pesquisa com fauna silvestre e plantios florestais
Sementes Jovens: capacita jovens da regi�o em diferentes �reas tem�ticas de forma a atuarem como agentes de restaura��o florestal e l�deres em sustentabilidade socioambiental
Sabores da Natureza: gera alternativas sustent�veis de renda para mulheres do bairro de Santa Luzia, por meio da produ��o e venda de geleias e biscoitos amanteigados
Costurando o Futuro: capacita mulheres no desenvolvimento de produtos como bolsas e camisetas, com aplica��o em tecido 100% algod�o ou bordadas a m�o, que retratam animais da rica biodiversidade brasileira, aliando neg�cios com conserva��o
3) Baixo Rio Negro
Ecoturismo com Bases Comunit�rias: ordena o turismo no mosaico de unidades de conserva��o localizado no baixo rio Negro
Navegando Educa��o na Amaz�nia: realiza diagn�sticos socioambientais da regi�o e atividades de educa��o ambiental e sensibiliza��o para a gest�o sustent�vel dos recursos naturais
Programa Conserva��o e Uso Sustent�vel da Biodiversidade: amplia a participa��o das popula��es tradicionais (ribeirinhas e ind�genas) nos processos de gest�o do territ�rio, adotando t�cnicas de uso sustent�vel da biodiversidade, como o manejo dos recursos florestais n�o madeireiros e o desenvolvimento permacultural
4) Site Zonas Costeiras Ariri-Superagui
Manejo de Pesca e Maricultura: promove a conserva��o socioambiental da regi�o por meio do manejo racional dos recursos pesqueiros
5) Pantanal
Iniciativa Nacional de Conserva��o da Anta Brasileira: visa estabelecer um programa de pesquisa e conserva��o de longo prazo e subsidiar a formula��o de recomenda��es para a conserva��o da esp�cie na regi�o
A uni�o do social com o ambiental
A atua��o do Ip� se baseia na estrat�gia integrada de conserva��o e desenvolvimento, desenvolvida empiricamente ao longo de suas experi�ncias.
Ela come�a com o estudo da biologia das esp�cies isoladas, na tentativa de preserv�-las.
Para isso, criam-se programas de educa��o ambiental, de forma a envolver e conscientizar os atores locais em prol da conserva��o do habitat.
Paralelamente, a fim de reduzir a press�o econ�mica que geralmente leva � destrui��o ambiental, s�o introduzidos projetos de desenvolvimento sustent�vel, com atividades econ�micas compat�veis com a conserva��o da paisagem.
Por fim, no intuito de se alcan�arem mudan�as efetivas, de grande escala e no longo prazo, trabalha-se para influenciar pol�ticas p�blicas, com o aux�lio de pesquisas cient�ficas e a participa��o ativa da popula��o, j� envolvida no processo.
"O ambiental e o social est�o juntos. Essa � a combina��o que temos de trabalhar. Cada local tem uma esp�cie amea�ada, uma ponte que n�o incomoda muita gente quando entramos no local. A partir da�, vamos conhecendo as pessoas, envolvendo-as num relacionamento de longo prazo, at� chegar �s pol�ticas p�blicas. � estrat�gico", revela Claudio.
Em raz�o disso, diferentemente da maior parte das organiza��es ambientais, que trabalha por projetos, o Ip� n�o presta servi�os isolados, conforme surge a demanda -sobretudo de grandes organiza��es internacionais.
"Tra�amos regi�es geogr�ficas, decidimos o que queremos fazer e buscamos recursos com essa orienta��o. Isso d� foco, pois as mudan�as na nossa �rea n�o s�o feitas em um ano ou dois, s�o mudan�as centrais", refor�a Suzana.
DEPOIMENTOS
A vis�o de uma das benefici�rias do projeto"Estou h� tr�s anos e cinco meses no Ip�. Sou pernambucana e moro h� 14 anos em Nazar� Paulista.
Meu marido veio trabalhar em S�o Paulo, pois, onde mor�vamos, na zona da mata de Pernambuco, mal dava para pagar aluguel.
Mas, como ele sempre trabalhou em fazenda, n�o se adaptou � cidade, por isso veio trabalhar na ch�cara, comigo e com nossos cinco filhos.
Na verdade, conhe�o o Ip� h� 11 anos. J� havia trabalhado na limpeza e na cozinha do instituto.
Depois, voltamos para tentar a vida em Pernambuco, antes de retornarmos de vez em 2001.
Foi quando conheci uma mo�a que fazia parte do grupo de mulheres que bordavam em um programa do Ip�.
Sem demora, pedi o telefone e liguei. Agora tenho mais uma fam�lia.
Por meio do nosso grupo produtivo, j� tirei R$ 600 e alguma coisa, num m�s em que fiz 136 camisetas de encomenda.
Foi uma loucura, mas eu precisava de dinheiro e meu marido me ajudou cortando as partinhas e ficando comigo at� a hora de dormir.
Ali�s, ele ainda me ajuda.
Eu contribuo com tudo em casa e, al�m disso, o Ip� foi fundamental por um motivo: meu filho, hoje com 15 anos, tinha de fazer um tratamento, e eu n�o tinha condi��o de pagar nem o hospital o cobria.
Mas eu consegui trat�-lo com a renda daqui. Ele nasceu com a aus�ncia de um nervo, os ossos dele juntam um com o outro. N�o pode pegar peso e tem de fazer fisioterapia.
Nestes tr�s anos e cinco meses no grupo, a minha vida mudou muito.
Mudou a quest�o da renda, da independ�ncia, eu posso ter meu trabalho, compro o que quero sem pedir ao meu marido.
Tamb�m aprendi muito sobre a quest�o do ambiente, de n�o jogar lixo ou deixar espalhado e de plantar em vez de derrubar.
Aqui a gente planta �rvores, � um trabalho volunt�rio.
Tem de preservar. Afinal, o melhor de Nazar� s�o as represas, um pouco de mato que temos para n�s.
Meu sonho agora � que a cooperativa se concretize para que trabalhemos ainda mais."
ISABEL CRISTINA DA SILVA PEREIRA, 36, bordadeira, � presidente da cooperativa (n�o constitu�da formalmente) Costurando o Futuro