M�dico que combate diarr�ia no Par� sonha 'amazonizar' o mundo
Empreendedor Social 2005 � um paulista inovador, bem-humorado e avesso a formalidades, que chora ao falar de seus sonhos e cuida mais dos outros do que de si
Quando o m�dico Eugenio Scannavino Netto foi visitar o pai, que estava com c�ncer, � beira da morte, disse a ele: "Obrigado, pai, por tudo que voc� fez por mim". Levou uma boa bronca. "Nunca mais fale isso", ouviu. "Se voc� for digno, e a �nica coisa que eu te dei foi dignidade, fa�a para os outros muito mais e muito melhor do que fui capaz de fazer por voc�." Assim foi a cria��o de Eugenio, vencedor do pr�mio Empreendedor Social 2005.
De casa, trouxe outras duas li��es. A primeira, diz ele, � que a vida � um jogo - um jogo de p�quer. "Venho de uma linhagem de bo�mios", conta, sorriso no rosto. "Tem de ter firmeza, tem de estar muito atento para n�o te passarem a perna. Eu jogo forte, mas n�o blefo, tenho um bom cacife, que � o meu trabalho."
A outra regra que sempre lhe repetiram � s� entrar onde souber sair. "Essa � a �nica que ainda n�o consegui aprender. Sempre me vejo em cada enrascada", confessa. Eugenio n�o sabe, mas essa li��o, por mais que queira, ele possivelmente n�o aprender� nunca.
� dessa cara-de-pau e dessa aparente inconseq��ncia que vem sua for�a inovadora. Eugenio � o t�pico homem que d� tudo para n�o abandonar uma briga.
Conflitos n�o faltam, mas ele os enfrenta com uma serenidade inesperada. � questionador, mas abomina a viol�ncia. Seu protesto � o trabalho, � a cartada certeira - e calma - de quem tem nas m�os o jogo certo e limpo. � por isso que ele aposta tudo.
"A medicina me deu isso. Quando h� uma emerg�ncia, todo mundo fica nervoso, menos o m�dico. A medicina me ensinou a ficar em paz em horas cr�ticas."
As certezas, no entanto, n�o s�o muitas. Eugenio � uma crian�a cheia de d�vidas. Quer saber do mundo, do outro, dos olhos do outro. "N�o entendo como as pessoas podem ser t�o ignorantes. Ser feliz � t�o simples, t�o f�cil. Por que � que tem tanto �dio?".
A pureza e a ingenuidade s�o marcas do "doutor". Eugenio pensa tanto no mundo que pouco cuida de si. Tem, vale dizer, uma casa no meio da floresta, na beira de um igarap� que fica em uma �rea que ele ajudou a preservar - comprou o terreno de um fazendeiro para evitar que ficasse com uma madeireira. � uma cabana de madeira, que n�o tem paredes - como os sonhos do dono.
"Eu n�o trocaria de vida, mas �s vezes me lembro das contas. Minha vida � totalmente inst�vel, n�o tenho sal�rio, n�o tenho carteira assinada, n�o vou ter aposentadoria, n�o consigo nem trocar o escapamento do carro."
A m�e de Eug�nio, que n�o revela sua idade, faz quest�o de revelar os segredos do filho: "Eu e o pai dele fomos ver o que ele esta fazendo. Era um mocinho loiro, fino, destoava de todo mundo. Falavam: 'ele quer matar a gente'. Causava desconfian�a."
Ela diz que acabou transformada pelos filhos Eugenio e Caetano (que h� 17 anos se mudou para o Par� para trabalhar com o irm�o no projeto Sa�de e Alegria).
"Vim de uma fam�lia certinha. Ficava meio atordoada. Mas ou abria a cabe�a ou ficava longe deles. Resolvi abrir. Aprendi muito, ganhei despojamento. Eu nunca pensei em �ndio durante a gravidez. De onde eles vieram eu n�o sei. Mudar o mundo � imposs�vel. Mas eles mostram que � poss�vel mudar o mundo � nossa volta."
"Irm�o a gente n�o escolhe, � obrigado a ter. Mas, como colegas de trabalho, nos escolhemos. Eu toco toda a burocracia para ele sonhar", diz Caetano, 39.
O atual sonho de Eugenio � ambicioso. "As pessoas daqui t�m muito a ensinar. E a primeira li��o da Amaz�nia � a da humildade. Em vez de internacionalizar a Amaz�nia, vamos amazonizar o mundo", planeja. Na faculdade, sempre soube que iria para o interior. "Quando cheguei � Amaz�nia, falei: 'Epa, � aqui'. Fiquei vindo para c� durante a faculdade v�rias vezes, at� achar esse lugar."
O lugar era a regi�o banhada pelos rios Amazonas, Tapaj�s e Arapiuns, pr�xima a Santar�m, no Par�, onde se tornou "her�i mocorongo", que � tamb�m como se chama o santareno, aquele que nasce em Santar�m.
"H� quase 20 anos come�amos a utilizar a arte e o circo para a educa��o. Fizemos de forma participativa, como constru��o multilateral do saber. Nosso apoio era a cultura, a realidade e a linguagem mocoronga", lembra.
Ele tamb�m levou o cloro, que trata a �gua e combate a diarr�ia e a mortalidade infantil. "'� t�o f�cil e barato que n�o entendo porque o governo n�o faz. D� raiva. A cada novo ministro da Sa�de eu vou l� e digo: 'cloro'. N�o adianta."
No projeto de Eugenio, que reduziu a mortalidade infantil de Santar�m, s� ganha cloro que aprende gest�o comunit�ria, quem brinca de circo, quem faz o pr�prio jornal, a pr�pria r�dio e as pr�prias atra��es de TV. Nada � de gra�a. Sa�de s� com alegria.