Racismo, violência, desigualdade, estrutura social e autoritarismo são problemas que corroem a democracia brasileira, afrontam a Constituição e desafiam empreendedores.
Estão tão enraizados que preocupam mais do que ações políticas e são desafios maiores para os quais a sociedade brasileira não está atenta.
O autor do diagnóstico é Marlon Alberto Weichert, procurador-adjunto federal dos direitos do cidadão, e foi vocalizado no Fiis, em um painel que discutiu democracia, Constituição e direitos humanos no Brasil pós-eleição.
"Estamos à beira do abismo, pois a comunicação horizontal, de indivíduo com outro, e a vertical, de sociedade com Estado, foram abaladas."
A situação põe o país na antessala do nazismo e de tragédias humanitárias como o genocídio de Ruanda (que matou mais de 500 mil em 1994), afirma Marlon, que atua no caso das ossadas de Perus desde 1999 e diz que sua formação foi influenciada pela leitura, aos 14 anos, do livro "Brasil: Nunca Mais" (que documentou a repressão na ditadura).
Por que os direitos humanos estão ameaçados? Direitos humanos não são causa de direita ou esquerda nem questão de solidariedade. Estão em risco porque o tecido social está esgarçado por ódio, intolerância e medo.
Todo o arcabouço dos direitos humanos está em perigo por discursos que tentam desconstruir esse fundamento do mundo democrático. É preciso olhar as raízes disso.
Vivemos processo que os estudiosos de atrocidades massivas identificam como a antessala de coisas graves. Estamos diante da ladeira escorregadia. Uma vez nela, você não volta. Alertas estão no ar.
Quais alertas? O processo de classificação (esquerdista, fascista, gay, nós-eles), rotulação (vagabundo, doente, pecador) e desumanização de parcela da sociedade.
Estamos jogando no lixo nosso maior patrimônio, que são a diversidade, a pluralidade e a heterogeneidade.
Estamos enveredando por caminho perigoso, no qual há eleitos que podem fazer parte do projeto social e outros que são excluídos. Até a liberdade de imprensa é só para quem não ameaça o poder.
Dá para dizer quando isso começou? Tem gente que aponta as eleições de 2018, os protestos de 2013, a prisão do Lula, a Lava Jato. Mas temos que olhar o que está por baixo disso. Eu aponto cinco fatores, entre eles racismo e violência, que são motores da linguagem de exclusão, do desespero e do medo.
Só a violência provoca 63 mil mortes violentas no país por ano, o maior número de homicídios do mundo.
Com 518 anos de história, o Brasil teve só dois períodos democráticos: de 1945 a 1964 e de 1988 até hoje. Ou seja, só 49 anos, menos de 10% da nossa existência pós-colonização.
A pouca experiência democrática faz com que o país seja estruturalmente autoritário.
Quais as consequências disso? Sociedade civil, instituições públicas e privadas reproduzem práticas e autoritárias. Não é surpreendente que um projeto autoritário de poder e de governo seja recebido com certa naturalidade. O Brasil tem carência de experiência democrática.
A gente precisa falar disso, do rumo e do ritmo em que, não só a política, mas a organização social está funcionando. Isso pode empurrar o Brasil para a antessala do que ocorreu em Ruanda e do que foi a ascensão do nazismo.
Existe solução para isso? Ela passa por conhecer e reconhecer os problemas, porque cada transição na história do Brasil é marcada por violações dos direitos humanos e por dois pilares: ocultação do passado e impunidade dos responsáveis. Isso sempre: de genocídio de povos indígenas, escravidão, golpes de Estado às ditaduras Vargas e militar.
E por que se repetem erros? Porque sempre esquecemos, não enfrentamos legados nem criamos condições de lembrá-los e ensiná-los às novas gerações. Agora estamos até vangloriando quem deveria ser sancionado e responsabilizado. É a inversão de valores.
Isso faz com que os mesmos de sempre comandem o jogo. Por isso somos o único país do continente americano que não julga os perpetradores de crimes contra a humanidade. Todos os demais, que também tinham leis de anistia, superaram esse quadro.
Como o empreendedorismo social entra nesse processo? Há grande desafio ao empreendedorismo social, porque é preciso readequar a linguagem para poder acessar a sociedade na base, nos direitos humanos e sociais.
E demanda a reconciliação entre grupos, que desenvolveram entre si relação de desconfiança e ódio, e entre sociedade e Estado.
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