Ação de produtora rural evita perda no campo e alimenta quem tem fome

Projeto FaçaUmBemINCRÍVEL conecta cinturão verde paulista com famílias vulneráveis e doa toneladas de alimentos que seriam perdidos na crise

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Simone Silotti, líder dos produtores Rurais de Quatinga, lançou o projeto FaçaUmBemINCRÍVEL, finalista do Empreendedor Social do Ano em Resposta à Covid-19 na categoria Legado Pós-Pandemia - Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo

FaçaUmBemINCRÍVEL

  • Organização Produtores Rurais de Quatinga
  • Empreendedora Simone Silotti

Para Simone Silotti, a pandemia foi boa. Ela explica com o novo cartão de visitas de empreendedora social: "Tirou o tapete para onde eram jogados todos os problemas dos pequenos produtores rurais".

Filha de agricultores, com a experiência de quem já trabalhou com pesquisas de marketing "no asfalto" da Faria Lima e da avenida Paulista, em São Paulo. Simone diz que o coronavírus é apenas uma das intempéries a que produtores rurais estão sujeitos.

"Antes da pandemia, por exemplo, tivemos alagamento que afetou o Ceagesp, parou as marginais. Perdemos tudo. Foram dias para normalizar e, depois, teve greve de caminhoneiros", diz Simone.

O conhecimento das dores do campo vem de pequena, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. Via o pai se virar para tirar da roça o sustento para cinco filhos. "A lembrança que tenho dele, já falecido, é com a enxada na mão. Tínhamos liberdade e fartura na mesa, mas uma vida muito simples."

Se o pai a ensinou a cultivar a terra ("Em qualquer terreno vazio, ele plantava chuchu, alface..."), a mãe, Izabel, mostrou a ela como ser guerreira, tanto que, até hoje, aos 83 anos, trabalha no Quintal da Coruja, a pequena propriedade em que Simone e o irmão Anísio produzem alimentos em Mogi das Cruzes (SP).

E foi de lá, no cinturão verde paulista, que Simone começou a lutar para quebrar os ciclos que tornam o pequeno produtor refém de bancos, atravessadores e condições climáticas e cotidianas, como decisões do governo e até greves e protestos que fecham estradas.

A última intempérie foi o fechamento dos serviços essenciais em São Paulo, em 21 de março, para evitar a disseminação do novo coronavírus. "Havíamos aumentado a produção devido à Semana Santa, e a mercadoria estava estragando no campo. Como jogar fora alimentos para uma data religiosa?", afirma Simone, 54.

Ela se lembra de que foi dormir chorando e que, já no dia seguinte, montou uma vaquinha para que aqueles alimentos fossem destinados para doação. Isso exigiu que ela levantasse o custo de colheita e transporte de 80 produtores para viabilizar a doação, já que muitas vezes "fica mais barato só passar o trator por cima para transformar a comida em adubo".

Uma vaquinha digital foi a saída para evitar também que atravessadores comprem por valor ínfimo, mais de 50% abaixo ao preço de mercado.

A campanha foi lançada em 30 de março. Com o que entrou, de cara foi possível doar 9 toneladas. Era só o começo. Entregar alimentos encantou Simone, como as mais de 8 toneladas destinadas à Comunidade Caboré e ao Assentamento Laranjeiras, na zona leste de São Paulo.

Emocionou-se com crianças agarradas a um pé de rúcula como se fosse ovo de Páscoa. "Não sabia o nome da verdura, mas sabia que era de comer."

Foi aí que ela mergulhou no #FaçaUmBemINCRÍVEL, projeto que cria rede de segurança para o produtor rural e alimenta comunidades que pedem socorro. "Prometi que seria desperdício zero no campo". E tem sido. Como jogar fora comida enquanto existem pessoas morrendo de fome?"

Em abril, reportagem da Folha sobre a crise no cinturão verde, responsável por 90% das verduras e 40% dos legumes consumidos na capital paulista, impulsionou o projeto. Até ali, o Sindicato Rural de Mogi das Cruzes revelou que as vendas para a Ceagesp caíram 70%.

Após a reportagem mostrar tratores passando por cima de plantações que não tinham como ser escoadas, a cena crítica sensibilizou parceiros capazes de mudar a história. "Foi algo muito marcante, e a força com que eles se engajaram foi impressionante", diz Pepe Soares, presidente da Fundação Banco do Brasil, que apostou no projeto, assim como a Prefeitura de Mogi das Cruzes, a Braskem e a Yara Fertilizantes.

"Em 12 dias, organizamos a operação. Fomos abençoados com R$ 1 milhão e conseguimos resgatar toneladas de frutas verduras e legumes", diz Simone. O projeto já destinou 160 toneladas de comida. "Um maço de alface pesa 200 g. Imagina."

E ela quer mais. "Mostramos ser possível. Agora precisamos criar estrutura para manter isso, com profissionais. O produtor é inteligente, mas não entende de leis nem de tecnologia. Nem mesa de reunião eu tenho."

Já engajou o filho caçula, Kenzo, 20, que cuida da operação da vaquinha —o mais velho, Eiky, 26, vive na Austrália—, e até tem curso de agronegócio da Fatec ("Precisava estudar para saber que podia fazer algo diferente.").

Sua cabeça fervilha com projetos e com a dívida que fez para poder produzir.

Um dos projetos se chama Sal da Terra e se mostra estruturante, uma plataforma de cooperativismo capaz de ajudar o produtor rural, o pequeno, não o familiar nem o do "agro é pop".

Auxílio até para lidar com o esgotamento sanitário adequado —40% das pequenas propriedades não o fazem. "A maioria usa fossa negra ou joga esgoto em rios e represas, o que contamina o ambiente e os lençóis freáticos. Vamos intermediar a construção de fossas biodigestoras."

Com mais estrutura, ela sonha grande: quando o produtor não escoar o plantio, a ONG adquire o alimento para doar à comunidade.

Um ciclo virtuoso com apoio da sociedade, a mesma que paga caro para ter alimentos frescos, enquanto o agricultor recebe cada vez menos. "Na pandemia, remuneramos todos a preço justo", diz Simone. "É a semente de uma nova consciência."

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FaçaUmBemINCRÍVEL

  • 500 mil pessoas impactadas
  • R$ 1,1 milhão em recursos mobilizados
  • 160 toneladas de alimentos doadas
  • 80 produtores e 2 cooperativas
  • 600 mil maços de verduras doados a mais de 100 comunidades
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