A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de contenção de gastos, que deve ser votada pela Câmara dos Deputados nesta quarta (18), autoriza a União a colocar menos recurso no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) para reduzir desigualdades na educação e usar essa verba para manter matrículas em tempo integral no ensino público.
Hoje, o recurso para a expansão do ensino em tempo integral sai diretamente do orçamento do MEC (Ministério da Educação). Se aprovada a PEC, recursos que a União destina para complementar o Fundeb para serem usados em outras funções passam a ser destinados para essa finalidade.
A proposta propõe alterar pontos centrais do Fundeb três anos após o fundo ser reformulado. Para especialistas e entidades, a proposta do governo Lula descaracteriza o mecanismo sem que haja tempo para colher o impacto do aumento de recursos distribuídos para as redes públicas de ensino do país.
A PEC 45 é uma das medidas do pacote de corte de gastos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para tentar ajustar as despesas da União e cumprir com o arcabouço fiscal. Procurados, os Ministérios da Educação e da Fazenda não comentaram a proposta.
O texto diz que "até 20% dos valores [da complementação da União ao Fundeb] poderão ser repassados pela União para ações de fomento à criação e à manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública".
Se aprovada, a mudança autoriza a União a reduzir a complementação para três modalidades de redistribuição de recursos: o VAAF (Valor Aluno dos Fundos), VAAT (Valor Aluno Total) e VAAR (Valor Aluno Ano Resultado).
Esses três dispositivos foram criados para reduzir as desigualdades na capacidade de financiamento de estados e municípios ou reconhecer redes de ensino por esforços de redução de desigualdades socioeconômicas e raciais na educação.
Um cálculo feito pela Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) indica que, se a nova regra do ajuste fiscal estivesse vigente em 2024, a União poderia realocar R$ 9,56 bilhões desses dispositivos para usar apenas com o fomento à educação em tempo integral.
"A proposta do governo distorce a lógica do Fundeb, que é a de ter um fundo para distribuir dinheiro aos estados e municípios para que gastem com aquilo que necessitam de acordo com sua realidade. Quando pega parte desse dinheiro para uma ação específica, o governo reduz a autonomia das redes de ensino", explica Nelson Cardoso Amaral, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás).
A redução da complementação para esses dispositivos pode impactar, por exemplo, em programas específicos das redes de ensino para a inclusão ou reforço escolar para alunos mais vulneráveis e até mesmo no cumprimento do Piso Salarial Nacional do Magistério.
"Até este ano, o governo tinha definido um recurso específico para a política de ensino integral. Mas, agora, com o ajuste fiscal faz uma manobra para não ter que gastar esse recurso extra. A PEC tira um parcela do Fundeb para cobrir o buraco de uma política que vai perder dinheiro", diz Amaral.
Os especialistas explicam que as críticas à PEC não questionam a necessidade de maior fomento ao ensino integral. " Se a União pretende valorizar a educação em tempo integral, que coloque mais recursos por fora do Fundeb, como até o governo anterior fez", diz nota divulgada pela Fineduca.
Em julho do ano passado, o presidente Lula sancionou lei que criou o programa Escola em Tempo Integral. Para 2023 e 2024, o governo previu investir R$ 4 bilhões no programa —esses recursos saíram do orçamento próprio do Ministério da Educação.
"Por mais meritório que possa ser o programa [de ensino integral], não elimina o fato de que estarão desviando 20% do Fundeb em plena etapa de consolidação. Sem avaliação de resultados e de impacto, sem dialogar com estados e municípios que sairão prejudicados e impondo um improvável retrocesso no financiamento da educação pública", afirma Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC.
Aprovado em 2020, o Fundeb ainda está em processo de implementação, já que os percentuais de complementação da União ao fundo devem aumentar progressivamente até 2026.
Estimativa do próprio Ministério da Fazenda calcula que a alteração constitucional no Fundeb deve gerar uma economia superior a R$ 40 bilhões até 2030, montante que seria reduzido do orçamento do MEC nos próximos anos.
"Se a complementação do Fundeb permanece no mesmo patamar global, mas o orçamento do MEC para a educação básica diminui, o resultado é uma contração no total de recursos disponíveis para a melhoria da educação infantil, fundamental e média. Seguindo essa lógica, o ajuste estaria sendo feito em cima dos estados e municípios, que deixariam de receber esses recursos", diz nota do Todos pela Educação.
Tanto a Fineduca quanto o Todos pela Educação defendem que o Congresso não aprove as alterações propostas pelo governo, preservando o Fundeb tal como está desenhado atualmente.
A Bancada da Educação do Congresso também trabalha para chegar a um acordo com o governo para que não haja mudanças no Fundeb.
"A gente se reuniu com o relator da proposta, deputado Moses Rodrigues (União/CE), para construir uma solução que não desidrate o pacote fiscal, mantenha o caráter redistributivo do Fundeb, a discricionariedade do gestor municipal e federal, e garanta o investimento no ensino integral", disse o deputado Rafael Brito (MDB/AL), presidente da bancada.
Os servidores do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão que faz os repasses do Fundeb, publicaram uma carta aberta nesta quarta-feira (18) na qual alertam que, se aprovada a proposta, o da complementação da União perderá cerca de R$ 11 bilhões em 2025 e mais de R$ 12 bilhões por ano a partir de 2026.
"Com isso, todos os municípios e estados serão prejudicados, pois todos podem receber complementações quando ampliam matrículas, melhoram a gestão ou avançam em indicadores. A mudança proposta não significa apenas redução dos investimentos em educação, mas também a redução de mecanismos de promoção da equidade e de melhoria da gestão", diz a carta.
O Movimento FNDE Forte, que divulgou a carta, também destaca que a mudança pode trazer problemas financeiros a prefeitos e governadores que organizaram políticas educacionais prevendo receber esses repasses.
"Gestores que atualizaram os salários dos professores, que ampliaram vagas em creches, ou que iniciaram reformas de escolas, por exemplo, podem ter dificuldade de sustentar financeiramente esses compromissos. Tudo isso vai pesar diretamente na vida das pessoas, especialmente professores, crianças e suas famílias."
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