Muito se falou no início da pandemia sobre como o isolamento social poderia modificar nossos hábitos de consumo, colocando a chamada cultura influencer em risco. Trancafiados em casa em um momento em que a reflexão sobre vida e morte se mostrou inevitável, parecia não haver espaço para os influenciadores digitais fazerem postagens supérfluas que exaltassem marcas e estilos de vida inalcançáveis para a maioria das pessoas.
Nem um ano se passou e essas previsões desmoronaram como castelos de areia. A despeito das mais de 210 mil mortes e da crise econômica em que o Brasil está imerso, e apesar dos inúmeros “cancelamentos”, prática extremamente problemática e ineficaz que se difundiu nas mídias sociais em 2020, a timeline de muitos influencers voltou rapidamente a ser povoada por fotos de viagens e produtos, mesmo em uma das piores fases da disseminação da Covid-19 no país.
Anterior a uma discussão sobre a moralidade nas redes e a criação de uma hiper-realidade por elas, está um debate sobre o que e quem de fato são esses influenciadores digitais. O termo é bastante vago e de difícil apreensão para as gerações anteriores aos millennials. Afinal, como alguém aparentemente desconhecido pode ter uma audiência de dezenas de milhões de pessoas apenas por exibir sua vida na internet, sem necessariamente ter algum talento?
Na definição do Dicionário Collins, um influencer é “alguém capaz de persuadir seus seguidores nas redes sociais a fazer, comprar ou usar as mesmas coisas que eles”, sem nem sempre sinalizar que seu post é uma publicidade. Para isso, “geralmente recebe produtos pagos ou gratuitos”. Ou seja, vive do que se denomina como engajamento (curtidas, comentários e outros tipos de interações virtuais) e, assim, expande sua relevância e fama inclusive para além da web, como se vê na estratégia transmídia das últimas edições do Big Brother Brasil.
Contudo, na prática, influenciadores não são somente pessoas que ostentam luxo e comodidades online. Há uma diversidade de pessoas produzindo conteúdos informativos, pedagógicos e de viés ativista nas plataformas digitais, mobilizando o poder das redes para a publicação de informação e conhecimento.
Durante os últimos meses, pesquisadores e divulgadores científicos ganharam mais projeção no Twitter, como é o caso dos biólogos Atila Iamarino e Natalia Pasternak e das jornalistas de saúde Luiza Caires e Mariana Varella.
Há também aqueles que têm usado seu alcance para incentivar ações de impacto direto na pandemia. O humorista Whindersson Nunes, com quase 50 milhões de seguidores somente no Instagram, tem movimentado suas redes para viabilizar oxigênio para Manaus (AM), na tentativa de minimizar o horror documentado diariamente no noticiário. Com o mote “Estamos engajados em salvar vidas” e com a ajuda de outros influenciadores, ele já providenciou o envio de mais de 200 cilindros para a capital amazonense.
É fato: não se pode desprezar o poder de comunicação dessas figuras públicas, que geralmente contam com audiência cativa e fã-clubes, como verdadeiros ídolos pop das novas gerações. E é igualmente importante que as instituições abracem essa ideia se quiserem dialogar com o público jovem, especialmente no que tange à defesa de causas sociais e à divulgação de temas de saúde pública, como é o caso da vacinação contra a Covid-19.
Ciente disso, o Instituto Butantan “ouviu” as mídias sociais ao se aproveitar acertadamente de um meme: convidou o cantor Leandro Ferreira, conhecido como MC Fioti, para gravar uma nova versão de seu hit “Bum bum tam tam” em prol da imunização. A música, lançada em 2017, viralizou novamente no início de janeiro após o anúncio da eficácia da CoronaVac, a vacina do Butantan, levando internautas a fazerem montagens divertidas em fotos e vídeos.
Não à toa, a Indonésia priorizou a vacinação de influenciadores digitais contra o coronavírus. De acordo com a chefe da agência de saúde do país, o objetivo é justamente que os artistas “influenciem e transmitam mensagens positivas” sobre a campanha, incentivando a população a se proteger da Covid-19.
É quase impossível prever o rumo que a cultura influencer vai tomar, já que isso depende de inúmeras variáveis. Mas é fundamental que tanto o público quanto os próprios influenciadores tenham em mente a responsabilidade e o potencial que têm em mãos. Se as crianças e jovens consomem cada vez mais os conteúdos produzidos por youtubers e instagrammers, estes precisam tomar consciência de seu papel na disseminação de mensagens que priorizem fatos e combatam a desinformação, atuando, assim, na defesa da cidadania e da participação cívica, incentivando hábitos saudáveis e seguros e promovendo empatia.
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