an�lise
Texto de nova base avan�a, mas ainda tem trechos preocupantes
No que diz respeito � f�sica, a Base Nacional Comum Curricular representa alguns avan�os importantes, mas tamb�m traz alguns v�cios preocupantes. De todos eles, o que mais assusta � a defesa subjacente de uma vis�o utilitarista da ci�ncia.
N�o chega a ser uma surpresa, uma vez que uma das principais motiva��es para a reformula��o da base curricular era a de realizar a conex�o entre o dia a dia do estudante e os temas abordados em sala de aula, conex�o reconhecidamente fundamental para o aprendizado.
� um objetivo nobre: mostrar que a ci�ncia em geral, e a f�sica em particular, n�o fala de coisas desimportantes para as pessoas. Muito pelo contr�rio, o cotidiano est� impregnado de f�sica, e a maioria das pessoas nem se d� conta disso.
Contudo, ao enfatizar excessivamente a leg�tima quest�o do "para que serve isso?", perde-se por entre os dedos a principal motiva��o para o fazer cient�fico, qual seja, a de satisfazer a curiosidade inata do ser humano.
� como se os respons�veis pela difus�o do conhecimento julgassem vergonhoso valoriz�-lo pelo que ele �, como um fim em si mesmo. E a� a mensagem que chegar� aos alunos acaba se tornando contraproducente.
Reconhecer o valor de alguma coisa � muito menos poderoso do que apreci�-la. Ningu�m se torna cientista porque identifica a import�ncia social da ci�ncia. Os jovens buscam a ci�ncia porque gostam da ideia de descobrir, de revelar os segredos ocultos da natureza. A curiosidade n�o pode ser tratada como acess�rio, muito menos como frivolidade. Ela deveria ser o ponto central do aprendizado.
No documento, parece at� um palavr�o. Nas p�ginas dedicadas � f�sica, o termo � usado apenas um punhado de vezes. No documento inteiro, s�o 24 men��es em 652 p�ginas –a maioria delas de forma jogada e uma, pasme, na negativa ("n�o se trata [...] de curiosidade banal").
Ao suprimir, ou menosprezar, o ato de ser curioso como justificativa v�lida para o fazer cient�fico, acabam sendo deixadas ao largo revolu��es importantes como a teoria da relatividade (sem a qual hoje n�o ter�amos coisas como o GPS e que n�o tem nenhuma men��o em todo o documento) e a inven��o do laser (que nasceu, com o perd�o da express�o, como uma "curiosidade in�til" de laborat�rio).
Alunos na educa��o b�sica - Por etapa, em milh�es*
FEN�MENO SOCIAL
De que a produ��o cient�fica �, antes de mais nada, uma constru��o social, n�o resta d�vida. Afinal, cientistas s�o seres humanos.
H�, portanto, de se celebrar o reconhecimento desse fato e a necessidade premente de permear o ensino de f�sica com o contexto hist�rico em que esses conhecimentos foram constru�dos.
Contudo, o documento d� um ou dois passos al�m disso. Ele diz: "Uma contextualiza��o hist�rica n�o se ocupa da men��o a nomes de cientistas e datas, mas de revelar conhecimentos como constru��es socialmente produzidas, influenciando e sendo influenciadas por condi��es pol�ticas, econ�micas, sociais, de cada �poca".
At� a�, tudo bem. Mas em seguida h� uma s�rie de exemplos, abordados de forma incisiva na base curricular, que enfatizam o quanto a sociedade motiva o avan�o da ci�ncia, mas n�o fazem o caminho inverso.
Fala-se de como o campo da termodin�mica evoluiu por conta dos motores a vapor e da primeira revolu��o industrial. Em seguida, aborda-se eletricidade e magnetismo como subprodutos da segunda revolu��o industrial.
O discurso subjacente � o do utilitarismo: a ci�ncia correspondente nasceu em suporte � tecnologia que propiciou a transforma��o social.
Isso acabar� por camuflar a principal motiva��o que os cientistas t�m em sua atividade. N�o � dar suporte a causas sociais, mas simplesmente se enfronhar no mist�rio definitivo: o fato de o Universo ser compreens�vel.
Enquanto n�o apresentarmos isso como motivo principal e suficiente para a pr�tica cient�fica, teremos uma vis�o capenga e distorcida do sofisticado empreendimento humano que ela representa.
Alunos na educa��o b�sica - Por rede, em milh�es
MAIOR AMPLITUDE
Apesar do vi�s utilitarista, h� avan�os, sem d�vida. O ensino m�dio ganha uma �nfase maior em temas da f�sica moderna, como a presen�a do Modelo Padr�o da F�sica de Part�culas e uma apresenta��o mais robusta do contexto da Terra no Universo.
O Big Bang, por exemplo, ganha um lugar de destaque no curr�culo, embora a forma como ele � abordado possa dar margem a todo tipo de pecado (vai saber o que cada professor entender� de "identificando algumas lacunas desse modelo").
O medo maior � esse ganho em abrang�ncia vir acompanhado de uma perda muito grande em consist�ncia.
H� um discurso corrente que trata f�rmulas e equa��es como instrumentos a serem erradicados do ensino, vistos como mera "decoreba".
� fato que de nada vale conhecer uma express�o matem�tica sem compreender o conceito f�sico subjacente a ela. Por outro lado, sempre h� o risco de jogar fora a subst�ncia da ci�ncia, ao tornar tudo muito esquem�tico.
Afinal de contas, Galileu j� sabia, no s�culo 17, que "o livro do mundo est� escrito em linguagem matem�tica". Disfar�ar esse fato, ou pior, ignor�-lo, pode entregar ao ensino superior alunos que n�o t�m ideia de com que rigor a f�sica trata suas hip�teses, observa��es e experimentos.
Como nota final, pega mal ver que, num documento t�o importante, trechos das p�ginas 142 a 146 (apresenta��o) reapare�am, num fen�meno de "copiar/colar", nas p�ginas 586 a 587 (detalhamento do curr�culo).
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Calend�rio
26.jun.2014 Plano Nacional de Educa��o � sancionado; lei prev� que o governo crie uma proposta de base curricular em at� dois anos
16.set.2015 MEC apresenta 1� vers�o do documento e abre consulta p�blica; as �reas de hist�ria e gram�tica geraram pol�mica
15.dez.2015 Minist�rio inicia an�lise das contribui��es recebidas na consulta p�blica, que acaba em 15.mar.2016
3.mai.2016 MEC divulga 2� vers�o da base e a envia ao Conselho Nacional de Educa��o e a representantes de Estados e munic�pios
Jun. e jul.2016 Texto est� sendo debatido em semin�rios nos Estados e deve ser devolvido ao MEC at� agosto; o objetivo � ter a vers�o final at� novembro, mas n�o h� previs�o de quando come�a a valer
Livraria da Folha
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