Descrição de chapéu violência

Juiz nega pedido de promotor para arquivar investigação sobre morte de são paulino por 'bean bag'

Promotoria diz que ação contra agente seria injusta por ele ter agido em legítima defesa; caso aconteceu em setembro de 2023

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São Paulo

O juiz Guilherme Eduardo Martins Kellner negou o pedido do Ministério Público para arquivar o inquérito que investiga um cabo da Polícia Militar suspeito de ser o autor do tiro com munição "bean bag" que matou o torcedor são-paulino Rafael dos Santos Tercílio Garcia, 32.

O pedido havia sido feito pelo promotor Rogério Leão Zagallo na quarta-feira (9). A decisão de Kellner foi publicada neste sexta-feira (11). O magistrado citou em sua decisão condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos por não investigar de forma eficaz casos de mortes em ações policiais.

Zagallo tinha afirmado que o PM agiu em legítima defesa para conter um tumulto de torcedores, o que para o juiz não ficou claro.

Segundo Kellner, não está provado comportamento agressivo por parte da vítima, a qual ele chamou de inocente. "Não se justifica que, por medo, um agente da força atire 'à esmo' na multidão, como forma de amedrontar os demais e fazer cessar as possíveis futuras agressões".

"Entendo necessário que os fatos sejam melhores apurados, para a verificação de que o comportamento do investigado tenha se dado efetivamente em legítima defesa e não em dolo ou culpa com excesso de força policial", escreveu Kellner em sua decisão.

O juiz determinou o envio do processo à instância superior do Ministério Público para reanálise do pedido de arquivamento.

Garcia, que trabalhava como empacotador e era surdo, foi atingido na parte de trás da cabeça, conforme o laudo da perícia. O caso ocorreu em 24 de setembro do ano passado. Ele tinha saído de casa para assistir a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo e foi baleado durante uma confusão que se formou na comemoração dos torcedores pelo título.

Rafael dos Santos Tercilio Garcia, 32, era integrante da Torcida Tricolor Independente
Rafael dos Santos Tercilio Garcia, 32, era integrante da Torcida Tricolor Independente, a principal do São Paulo Futebol Clube - Leitor

A investigação da Polícia Civil levou cerca de um ano para ser remetida à promotoria. O DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa) entendeu se tratar de um caso de homicídio culposo, ou seja, sem intenção. Entendimento semelhante ao da apuração tocada pela Polícia Militar que foi concluída ao final de 2023.

O advogado do PM Wesley de Carvalho Dias, João Carlos Campanini, discordou do entendimento dos responsáveis pela apuração. Em fevereiro ele disse para a Folha que "o homicídio culposo é configurado por atos de negligência, imprudência ou imperícia no uso do armamento ou no procedimento policial, atos que em momento algum o cabo Wesley cometeu."

Para Zagallo, a ação penal contra o cabo seria uma medida injusta.

"Diante da prova aqui produzida, não vislumbro, nem mesmo culposamente, qualquer responsabilidade penal a ser atribuída ao policial supramencionado", diz um trecho do documento.

"O caso deve ser criminalmente arquivado, sem prejuízo de eventual indenização civil que possa buscar a família da vítima", acrescentou o promotor.

Zagallo, no entanto, disse reconhecer e ser legítima a discussão se a PM deve ou não utilizar a munição bean bag para debelar distúrbios civis, mas que deve ocorrer em outro campo que não no inquérito policial em questão.

Para o promotor, a culpa pela confusão foi única e exclusiva de um grupo de torcedores, com a PM trabalhando para conter o tumulto. "O início do confronto entre torcedores e policiais, portanto, é tributável unicamente ao comportamento hostil e agressivo daqueles primeiros. Se eles tivessem respeitado as regras de conduta impostas desde o início dos trabalhos não teria ocorrido o embate".

No processo, Zagallo fez menção a um outro inquérito no qual atuou no âmbito esportivo. O da morte da torcedora do Palmeiras Gabriella Anelli Marchiano, ocorrida no dia 8 de julho de 2023, após um torcedor do Flamengo atirar uma garrafa de vidro na direção em que ela estava. Nesse caso, Zagallo pediu a prisão preventiva do suspeito, que segue detido até hoje.

Entre as orientações que constam em um manual da PM sobre o uso de "bean bag" é que se deve evitar tiros na cabeça. Os disparos também devem ocorrer em uma distância mínima a partir de seis metros.

Laudo 3D produzido pelo Instituto de Criminalística estimou que que o disparo que matou Garcia ocorreu a uma distância de 8,27 metros de onde a vítima teria caído.

Boné que era utilizado pelo são-paulino Rafael Garcia ficou com uma perfuração
Boné que era utilizado pelo são-paulino Rafael Garcia ficou com uma perfuração - Leitor

O documento, porém, deixa claro não ser possível mensurar a distância exata. Em seu relatório final o delegado responsável pela investigação, Eduardo Angelo disse acreditar que o tiro tenha sido a uma distância inferior ao apontado no laudo devido a própria dinâmica do evento.

Para o advogado Tiago Ziurkelis, defensor da família de Garcia, o PM deve ser julgado por homicídio com dolo eventual.

"Ao ignorar essa orientação e disparar na região craniana, o agente policial demonstrou um desprezo pela segurança da vítima e pelo próprio protocolo de uso de força não letal. Essa atitude é indicativa de dolo eventual, pois não só previu o risco de causar a morte de Rafael, como prosseguiu na ação, mesmo ciente da possibilidade de um desfecho fatal".

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