Um capitão e um cabo da Polícia Militar de São Paulo foram denunciados e se tornaram réus pela morte de um homem no primeiro dia da Operação Escudo em Guarujá, no litoral paulista, em julho de 2023. Eles são acusados pelo Ministério Público estadual de terem adulterado a cena do crime, inclusive apagando imagens de câmeras de segurança no local. A denúncia foi aceita pela Justiça no último dia 16.
Os acusados são o cabo Ivan Pereira da Silva e o capitão Marcos Correa de Moraes Verardino, que é o primeiro oficial da PM a se tornar réu por sua atuação na operação. A Justiça arquivou investigações contra outros dois policiais que participaram da mesma ação.
Na decisão que aceitou a denúncia, o juiz Thomaz Correa Farqui, da 3ª Vara Criminal de Guarujá, afirmou que os acusados agiram como "perigosos criminosos" e determinou também que os dois PMs sejam afastados de suas funções.
Segundo os promotores, o capitão Verardino foi coordenador operacional da Operação Escudo, responsável por planejar a atuação da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em Guarujá. A denúncia diz respeito à primeira morte praticada por policiais na operação, às 13h do dia 28 de julho do ano passado. A vítima era Fábio Oliveira Ferreira, 40.
De acordo com informações do boletim de ocorrência registrado à época, os agentes abordaram Ferreira por considerar que ele teria tido uma atitude suspeita, e durante essa abordagem ele teria tentado sacar uma arma. Um dos agentes então atirou, e outro tentou pegar a arma e também disparou. Ainda segundo o BO, Ferreira foi socorrido, mas não resistiu.
Os promotores do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública) do Ministério Público, no entanto, afirmam que o homem já estava rendido, com as mãos na cabeça, quando os policiais dispararam três tiros de fuzil e dois de pistola. Uma pessoa que estava na rua filmou parte da abordagem com seu celular.
Procurada no início da tarde desta terça (23), a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que não comenta decisões judiciais.
Os policiais envolvidos na ação não usavam câmeras corporais, o que é obrigatório para integrantes da Rota. Segundo a denúncia, eles passavam por uma rua do bairro Vicente de Carvalho quando avistaram Ferreira caminhando a pé. O homem "prontamente se rendeu, levantando as mãos para cima", dizem os promotores.
Verardino teria atirado quando o homem estava em pé, e o cabo Silva quando ele já estava caído no chão. Os cinco tiros o atingiram no tórax. "Percebendo que a ação ilegal descrita acima foi filmada por câmeras instaladas na casa em frente ao local onde a vítima foi atingida, os denunciados entraram no quintal da residência e encontraram um morador", diz a denúncia.
Eles teriam ficado na casa cerca de 20 minutos. Uma perícia confirmou que os aparelhos de gravação das câmeras foram acessados logo após a ocorrência e que os equipamento funcionavam perfeitamente, embora as imagens gravadas antes, durante e logo após os tiros tenham sido apagadas. Além disso, quatro das cinco cápsulas deflagradas foram encontradas na cena do crime.
Em sua decisão, o juiz afirma que há "indícios de que os réus, se valendo de seus cargos e utilizando dos armamentos públicos que lhes foram disponibilizados pelo Estado (para a defesa da sociedade), fugiram de seu dever funcional para, então, agir como perigosos criminosos".
"Não fosse apenas a personalidade possivelmente deturpada dos acusados, ainda se vê que estes teriam, segundo consta na denúncia, agido para manipular as provas, o que fizeram tanto apagando imagens das câmeras existentes no cenário criminoso, como, ainda, modificando o local do crime (inclusive provavelmente escondendo parte da munição utilizada)", continua o magistrado.
Ao determinar que os dois PMs sejam afastados de suas funções, Farqui citou o risco de os policiais atrapalharem a investigação e se envolverem em novos casos. A decisão é mais severa do que em outros casos da Escudo, em que os réus foram retirados apenas do policiamento nas ruas.
Com a denúncia aceita contra o cabo e o capitão, há seis policiais que se tornaram réus por três mortes da Escudo. Os casos que motivaram outras duas denúncias do Ministério Público contra PMs ocorreram nos três primeiros dias de operação. Há dezenas de inquéritos abertos para apurar a condutas dos policiais nas situações que resultaram em morte.
A Operação Escudo, que se tornou uma marca do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segurança pública, teve início um dia após a morte do soldado Patrick Bastos Reis, 30, que integrava a Rota, batalhão de elite da PM conhecido pelo alto índice de letalidade. Em pouco mais de cinco semanas, ao menos 28 pessoas foram mortas.
As operações na região foram retomadas neste ano após novas mortes de policiais. Três PMs foram mortos em menos de duas semanas, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro.
Diferentes fases da operação, que neste ano passou a ser chamada de Operação Verão, deixaram um saldo oficial de 93 mortos por policiais na Baixada Santista. Se considerados todos os casos em que a PM matou nas cidades da região, inclusive quando policiais estavam de folga, chega-se ao total de 110 óbitos.
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