Os assassinatos de indígenas voltaram a crescer no primeiro ano do governo Lula (PT) e tiveram alta de 15,5% na comparação com 2022, o último de Jair Bolsonaro (PL). Foram 208 mortos no ano passado ante 180 em 2022.
Os dados são do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado nesta segunda-feira (22) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As mortes por desassistência à saúde mais que dobraram, com 40 casos registrados em 2022 e 111 no ano passado, sendo 35 deles no Amazonas.
O indicador faz parte do grupo de omissão do poder público, que também aumentou na comparação entre o último ano de Bolsonaro e o primeiro de Lula. As mortes infantis, também nesse grupo, somam óbitos de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade e chegaram a 1.040 em 2023.
A maior parte das mortes infantis foi considerada evitável pelo Cimi, por estar relacionada a ações de saúde. O relatório destaca os óbitos por gripe e pneumonia (141), diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e desnutrição (57).
Já os suicídios de indígenas foram 180 em 2023, com a repetição dos três estados com mais casos, Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19). O número foi 56% mais alto do que os 115 casos de 2022.
Em relação aos homicídios, pouco mais da metade das mortes de indígenas registradas em 2023 está distribuída entre Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43), Amazonas (36) e Rio Grande do Sul (16).
O número de assassinados em 2023 fica abaixo dos 216 mortos em 2020, durante o governo Bolsonaro. As mortes naquele ano foram o ápice de uma escalada de violência marcada pelo aumento, em 2019, de 45,2% das mortes ante 2018.
O aumento mais elevado dos anos recentes, porém, ocorreu no governo Michel Temer (MDB), que registrou 110 assassinatos de indígenas em 2017, na comparação com 2016 —o então mandatário assumiu o cargo definitivamente em 31 de maio daquele ano, após a conclusão do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
A publicação do relatório ocorre em meio ao agravamento de conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul e no Paraná, lembrados no evento de lançamento.
No oeste paranaense, 22 famílias que já habitavam a TI Guasu Guavirá, no município de Terra Roxa, iniciaram a retomada dos territórios Arakoé e Arapoty e, desde o início do mês, estão sendo alvos de ataques, de acordo com o Ministério dos Povos Indígenas.
"É o momento que o Brasil acompanha mais que um conflito, é uma verdadeira tentativa de massacre aos povos indígenas. No município onde está meu território ancestral, fizemos retomada. Até hoje, com tantas violências sofridas, estamos resistindo", afirmou Vilma Vera, liderança avá guarani da Terra Indígena Guasu Guavirá, na abertura do evento.
As críticas se dirigiram ao Congresso e ao marco temporal para a demarcação de terras indígenas, mas também revelaram frustração com promessas do início do governo em 2023. A proposta determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
O texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) começou a ser discutido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas a decisão só deve acontecer após as eleições municipais, em outubro.
O recorte de pendências administrativas —que atinge 62% das 1.381 terras e demandas por terras no Brasil— mostra que o número de territórios sem providência alguma para regularização caiu de 588 em 2022 para 563 em 2023.
Entre os dados de violência contra o patrimônio, houve quedas nos conflitos de direitos territoriais (150 em 2023 ante 158 em 2022) e em invasões e exploração ilegal de recursos (276 e 309). O documento também aponta que 56 dos 119 povos em isolamento voluntário registrados por equipes do Cimi estão em territórios invadidos ou com danos ao patrimônio em 2023.
Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que a Força Nacional de Segurança Pública tem atuado para manter a ordem e garantir a segurança das pessoas e do patrimônio em terras indígenas. Citou operações em 21 desses territórios e a apreensão de R$ 1,1 milhão, mais de 5,7 toneladas de metais preciosos, 300 animais e 4,3 mil litros de combustível, além de 3,4 mil pessoas abordadas e 97 fiscalizações ambientais.
As operações da Força Nacional, segundo a nota, ocorrem sempre com a participação de órgãos como Polícia Federal, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Saúde e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
"Além das operações, a Força Nacional também trabalha na desintrusão das terras Yanomami, Karipuna, Arariboia, Kayapó, Munduruku, Trincheira Bacajá e Uru-Eu-Wau-Wau", disse o ministério, que também afirmou dialogar com o Cimi por meio da Secretaria de Acesso à Justiça.
Já o Ministério dos Povos Indígenas citou um histórico de conflitos antigos e recentes em relação aos povos indígenas, e afirmou que "durante o governo anterior, houve leniência e chancela em relação a atividades ilegais como garimpo, extração de madeira, grilagem, entre outras, que deixam um rastro de destruição do meio ambiente e violência contra os povos indígenas".
Segundo a pasta, há 145 estudos em elaboração para identificação e delimitação de terras indígenas no país e 28 processos de emissão de portarias declaratórias na fila do Ministério da Justiça. "Em um ano e meio de atividade, o governo federal homologou 10 Terras Indígenas. Antes da instituição do MPI, ao longo de uma década, cerca de 11 territórios foram homologados."
Além disso, disse que foram destinados mais de R$ 2,3 bilhões entre 2023 e 2024 para apoio ao povo yanomami, citando também a criação da Casa de Governo em Roraima para coordenar ações e logística dos atendimentos.
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