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Enchente arranca ponte e ameaça sobrevivência de município no RS

Travesseiro vê risco à economia local e busca reconstruir estrutura levada por cheia de rio

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Travesseiro (RS)

"Tudo era muito prático. Em dez ou 15 minutos, a gente atravessava de carro de um lado para outro. Agora, está totalmente diferente", lamenta a professora Kelly Legramanti, 31, grávida de oito meses.

Ela se refere aos impactos da enchente do rio Forqueta, que, no início de maio, arrancou um trecho da ponte entre os municípios gaúchos de Travesseiro e Marques de Souza, no Vale do Taquari. Há um clarão entre as duas cabeceiras.

Com a destruição da estrutura, Kelly e outros moradores têm de usar uma passarela flutuante para cruzar o Forqueta a pé.

Instalada pelo Exército, a travessia provisória tem cerca de cem metros e só pode ser percorrida com o uso de coletes salva-vidas. Os equipamentos são distribuídos pelos militares que ficam nas duas margens do rio diariamente.

População usa passarela flutuante para atravessar rio Forqueta, entre Travesseiro e Marques de Souza (RS), após enchente destruir ponte - Anselmo Cunha/Folhapress

"Teve um dia em que atravessamos de manhã, mas, como teve vento, a passadeira foi retirada. Aí, tivemos de atravessar de bote à tarde", afirma a professora, que mora em Marques de Souza e trabalha em um turno em Travesseiro. "Ficou tudo bem mais complicado, bem mais difícil."

O relato exemplifica o caos logístico que afeta a população local após a enchente, principalmente do lado de Travesseiro (a cerca de 180 km de Porto Alegre).

Sem a ponte, a cidade perdeu a conexão rápida que mantinha com a BR-386. A estrada é chamada pelos gaúchos de rodovia da produção, devido ao fato de escoar mercadorias para diferentes regiões do estado.

Marques de Souza ainda consegue acessar rapidamente a BR-386. O centro do município fica entre Travesseiro e a via.

Com a ponte em frangalhos, há preocupação a respeito dos impactos na economia local. "Reconstruir a ponte é questão de sobrevivência para o município", afirma o prefeito de Travesseiro, Gilmar Luiz Southier (MDB).

Segundo ele, 80% da economia do município está associada à agropecuária. Com 2.152 habitantes, a cidade também reúne algumas indústrias e comércios familiares.

Devido à perda da ponte, a chegada e a saída de produtos do município por uma via alternativa podem levar em torno de uma hora e meia a mais do que o habitual, diz o prefeito.

O reflexo é a redução da variedade de mercadorias no comércio local e o encarecimento de custos logísticos. "Ter a ponte é a alternativa viável para não ter desemprego. Essa é uma preocupação que nós temos", afirma.

Antes da ponte, inaugurada em 2006, a travessia era feita por meio de uma balsa, que conseguia receber veículos –o que não ocorre na passarela do Exército.

"É como se estivéssemos retrocedendo 50 anos", afirma Southier, em referência ao prejuízo causado pela tragédia ambiental.

Conforme o prefeito, os municípios são os responsáveis por elaborar o projeto da nova ponte. Dependendo do material a ser utilizado, ele estima que a obra levará de seis a oito meses.

O valor necessário para a reconstrução fica entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões. Até o momento, a Prefeitura de Travesseiro anunciou que R$ 4,1 milhões foram aprovados pelo governo federal.

Preocupada com a crise, a atendente de farmácia Edna Kremer Stefani, 33, resolveu puxar uma mobilização para levantar recursos para a obra.

Ela está à frente de uma associação de amigos de Travesseiro e Marques de Souza que busca, por exemplo, doações via Pix. Até domingo (2), o grupo havia juntado em torno de R$ 85 mil.

"A aceitação está sendo muito boa", conta Edna. Ela e o marido, o jornalista Felipe Stefani, 33, moram em Marques de Souza e trabalham em Travesseiro.

O casal tem evitado a passarela flutuante para cruzar o rio Forqueta com o filho de três anos. Para fazer o trajeto de carro, o tempo gasto agora é de cerca de uma hora e meia. Antes, o caminho pela ponte era de menos de dez minutos.

O empresário Sidinei Fussinger, 41, também anda preocupado. Ele é dono de uma fábrica de bolachas que emprega 33 funcionários em Travesseiro.

Cerca de 80% da produção é vendida fora do Rio Grande do Sul. Sem a ponte, o envio de mercadorias ficou mais caro, e há dificuldade para receber insumos, segundo o empresário.

"Hoje, ainda estamos absorvendo esse custo a mais. A empresa está reduzindo margem de lucro", diz.

O produtor rural Fábio Roberto da Silva, 49, é mais um morador de Travesseiro que lamenta a perda da ponte.

Após a cheia, diz, ficou mais complicado conseguir insumos como ração para as vacas que produzem leite na propriedade da sua família. O custo aumentou.

Outro reflexo da enchente foi o estrago de um pedaço de terra que havia sido adubado duas semanas antes da inundação. O investimento no local havia sido de cerca de R$ 2.000, diz Silva.

Para complicar a situação, ele afirma que teve o cancelamento de uma cirurgia de tendões que seria feita em Marques de Souza logo após a enchente.

Com a instalação da passarela flutuante do Exército, Silva pretende remarcar o procedimento em breve. Isso, contudo, não elimina a saudade da ponte antiga. "É 100% do que a gente precisa."

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