Descrição de chapéu RFI Chuvas no Sul Argentina

Caminhão com doações ao RS está preso do lado argentino da fronteira com o Brasil há mais de 20 dias

Brasileiros que vivem na Argentina coletaram três toneladas de roupas, colchões, cobertores e água

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Márcio Resende
Buenos Aires | RFI

A ajuda solidária de brasileiros residentes na Argentina e de argentinos comovidos com a tragédia no Sul do Brasil requer uma autorização que a Embaixada do Brasil em Buenos Aires prometeu conseguir há duas semanas.

Os envolvidos na doação fazem apelo pela liberação da carga, aguardada pelos necessitados. O dono do caminhão acumula perdas diárias.

Caminhão branco em uma garagem
Caminhão com doações para o RS está retido na fronteira há 20 dias - Marcio Resende/RFI

A brasileira Cristina Vieira, estudante de medicina na cidade de Rosário, a terceira mais importante da Argentina, está desolada.

"Estamos tristes, totalmente tristes. Saber que todo o nosso esforço está preso na fronteira é desumano. E gera muita indignação saber que tudo é por uma questão burocrática, que pode ser resolvida pela Embaixada do Brasil, mas não é. O nosso povo está sofrendo e precisando de ajuda. A ajuda está disponível, mas não chega até eles", desabafa Cristina em entrevista à RFI.

Comovidos pela tragédia no Rio Grande do Sul, mais de 30 brasileiros, na sua maioria estudantes de medicina, transformaram a sua rede de amigos e colegas em atores de uma campanha solidária.

Aos poucos a ação envolveu toda a cidade. Apartamentos, igrejas, galpões, qualquer espaço solidário tornou-se um posto de coleta.

O resultado do esforço coletivo foram três toneladas de roupas (principalmente contra o frio), colchões, cobertores e água.

Através das redes sociais, Cristina Vieira conseguiu uma empresa brasileira na região que adotou a campanha, conseguindo a solidariedade de uma empresa de caminhões dedicada ao transporte entre Brasil e Argentina.

No dia 28 de maio, o caminhão partiu de Rosário, chegando à fronteira no dia seguinte. Desde então, a carreta permanece retida na alfândega do lado argentino, na cidade de Paso de los Libres.

Embaixada do Brasil não agiu a tempo

Faltam apenas 8 km para atravessar a fronteira, mas falta também uma autorização que a Embaixada do Brasil na Argentina ficou de conseguir desde o dia 29 de maio.

"Desde então, a Embaixada não nos deu mais nenhum retorno O dono do caminhão não cobrou pelo frete, mas diariamente acumula mais prejuízos por ter o caminhão parado", conta à RFI Felipe Laydner, coordenador de logística das doações.

Felipe descreve o sentimento de ver tanto esforço deste lado da fronteira não chegar a quem tanto precisa do outro lado. Há 23 dias os necessitados aguardam no Rio Grande do Sul.

"É um sentimento de raiva, de insegurança, de ver que quando a gente precisa que o governo ajude ou que a Embaixada ajude, na verdade, só atrapalham. Eles estão se lascando para os necessitados", diz, indignado.

O argentino Danilo Scheidler, dono da Dalanema Transportes, diz estar estupefato com a incompetência dos que prometeram uma solução.

"Não cobramos o frete porque estamos sensibilizados com o que aconteceu no Brasil e queremos ajudar. Já perdemos cerca de R$ 30 mil. Mas a maior indignação é com a burocracia que não se importa com as pessoas necessitadas dessa ajuda. Não se importam com as pessoas e não se importam com as perdas que geram. É uma indignação duplicada", critica Danilo em entrevista à RFI.

Na próxima semana, as perdas com o caminhão parado chegarão a R$ 40 mil.

diversos sacos de doações de argentinos para os moradores do rio grande do sul
Campanha de coleta mobilizou centenas de pessoas em vários pontos de Rosário, na Argentina - Marcio Resende/RFI

Itamaraty alega que não soube da doação a tempo

O nível de integração entre Brasil e Argentina é o maior da região. Os dois países formam o eixo do Mercosul, bloco com 33 anos de vida. Nada disso impediu que o caminhão com uma causa nobre permanecesse refém da burocracia.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou que "a Embaixada do Brasil em Buenos Aires não havia sido notificada com a antecedência devida sobre a doação em questão, impossibilitando a realização dos trâmites necessários em tempo hábil" e que "desde o momento em que foi notificada da situação, a Embaixada atua para agilizar o ingresso das doações em território brasileiro".

No entanto, a RFI pode confirmar que os envolvidos enviaram vários emails à Embaixada desde o dia 21 de maio e que oórgão só respondeu em 29 de maio, tomando conhecimento formal do caso quando o caminhão já estava na fronteira.

Há 12 dias, o diplomata da Embaixada do Brasil responsável pela gestão junto à Chancelaria argentina prometeu dedicar-se ao assunto. Somente nesta semana, depois de saber da reportagem, começou o processo para pedir a liberação da carga, solicitando os dados mais básicos do caminhão. O pedido de liberação só foi feito três semanas depois de o caminhão ter chegado à fronteira.

"Para mim, a Embaixada do Brasil é a responsável por essa situação. Eles sabem que é uma situação de emergência, mas não resolvem. Fizemos tudo o que eles pediram: ficamos três dias pesando, etiquetando, separando, limpando, preenchendo planilhas. Tudo do jeito que pediram. E vêm agora simplesmente dizer que o caminhão está parado na fronteira porque não pode passar pela alfândega. Para mim, é falta de boa vontade, falta de humanidade da Embaixada", aponta Cristina Vieira.

Apelo coletivo

Algumas das responsáveis pela coleta gravaram vídeos de apelo à diplomacia.

"Eu estou aqui para expor o meu sentimento de profunda tristeza e desânimo porque continuam a chegar doações e nós não temos mais como pegar essas doações porque não sabemos qual vai ser o destino final dessas doações e, neste momento, todos precisam e nós não podemos fazer nada, estamos de mão atadas", lamenta Cristina Vieira.

"Se a Embaixada tivesse um pouco de respeito por nós e principalmente pelas pessoas que são afetadas por todo esse desastre, eu acredito que seria um problema diplomático fácil de solucionar. Não é tão complicado, sendo que não mandamos nada perecível e nada fora das normas do que eles solicitaram."

A voluntária Sara Schreiber também se sente frustrada: "A gente está se sentindo triste, sinceramente, porque foi muito esforço que a gente teve e é uma causa humanitária pelo nosso país".

Flávia Azevedo, também voluntária, desabafa: "Isso gera uma angústia para a gente porque toda a nossa ideia era de ajudar o povo do Rio Grande do Sul, que ainda está precisando, mas a gente tem todas essas coisas lá esperando para passarem de um país ao outro e isso gera uma tristeza enorme na gente".

"Se esse diplomata tivesse feito o pedido de liberação sem demoras, esse caminhão já teria cruzado a fronteira. Do outro lado, em Uruguaiana, a Defesa Civil brasileira aguarda a carga para distribuição aos necessitados no Rio Grande do Sul", conclui Felipe Laydner.

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