Falta de órgão nacional dificulta resposta do Brasil a desastres climáticos

Para especialistas, modelos usados por Austrália e Reino Unido podem ser adotados pelo governo federal para lidar com situações como as atuais chuvas no RS

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A recorrência de desastres climáticos, como as chuvas que atualmente atingem o Rio Grande do Sul, reforça a necessidade de o governo federal formatar um órgão capaz de lidar com a consequências dos estragos e atuar em parcerias com estados e municípios, de acordo com sugestões de especialistas à Folha.

Em meio ao rastro de destruição no estado com mais de 90 mortos, ações da Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas não estão sendo suficientes. Por isso, muitas pessoas têm atuado como voluntários nos resgate.

Para os especialistas, o país colheu avanços na prevenção e resposta a desastres nos últimos anos, sobretudo após os desastres no Rio de Janeiro que deixaram 900 mortos em 2011.

Bombeiro e voluntário carregam mulher resgatada de área atingida por enchente em Porto Alegre
Bombeiro e voluntário carregam mulher resgatada de área atingida por enchente em Porto Alegre - Anselmo Cunha - 7.mai.24/AFP

Foi a partir de então que foram criadas a legislação que organiza a Defesa Civil e as políticas de monitoramento e alerta de desastres como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

O próximo passo, de acordo com eles, é o de integrar governos federal e estaduais, prefeituras e técnicos em assistência social, segurança pública, educação e infraestrutura.

"O Brasil carece de uma autoridade climática, organizada pelo governo federal e com orçamento para o processo de reparação", opina Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV/EASP.

"Elaborar ações de assistência social, policiamento mediante os saques, educação e infraestrutura, por exemplo", completa Fernandes.

Como exemplos de instituições públicas nessa linha, o professor citou órgãos na Austrália (Agência Nacional de Gestão de Emergências) e Reino Unido (Departamento Governamental de Liderança). Ambos são controlados pelo governo nacional e atuam em parcerias com subdivisões regionais (como estados, províncias e distritos), órgãos da defesa civil e organizações comunitárias na elaboração de redução dos riscos e resiliência aos desastres.

No Brasil, de acordo com o especialista em gestão de risco Rodrigo Lilla Manzione, professor da Unesp em Ourinhos, ministérios como do Meio Ambiente ou de Cidades têm condições de constituir uma pasta técnica para fortalecer órgãos como Defesa Civil estadual e municipal, além de secretarias locais.

"A população precisa ser informada de como os eventos climáticos estão mudando no mundo inteiro. É preciso nos reinventarmos para poder cobrar as autoridades", diz Manzione.

Para o professor, a politização do tema cria dificuldades para que o país avance nessa área. "O orçamento é pulverizado por emendas parlamentares, e esta polarização não contribuiu para formatação de políticas públicas [para lidar com tragédias]. O Congresso está focado em cortinas de fumaça, enquanto detém o poder econômico", disse ele.

"Um entrave no Brasil é a mentalidade dos políticos de gestão por crise. Falta planejamento, pensamento coletivo. E as obras são feitas de acordo com as prioridades dos prefeitos, que prefere inaugurar viaduto ao invés de gastar com rede de esgoto", afirma o engenheiro Luiz Fernando Orsini, um dos coordenadores da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental)

Já Fernando Nogueira, pesquisador do Laboratório Gestão de Riscos da UFABC, sugere que o órgão constituído pelo governo tenha como diretriz elaborar planos de redução de riscos para cada município.

"Nos momentos de insegurança, as cidades [em áreas de riscos] podem contar com espaços públicos em locais seguros com estrutura básica à população como, por exemplo, fornecimento de água", diz Nogueira.

A reportagem questionou o governo Lula (PT) na tarde desta terça se há planos ou protocolos para o governo lidar com as consequências das tragédias climáticas, mas não obteve retorno.

O ministro de Cidades, Jader Filho, afirmou em coletiva ao lado do presidente que a pasta deverá apoiar 200 municípios na elaboração do plano de redução de riscos.

Jader destacou, ainda, que o orçamento da pasta para atuar na prevenção de desastres naturais é de R$ 636 milhões.

O Ministério das Cidades foi desativado na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e passou a integrar o Ministério do Desenvolvimento Regional.

No ano passado, o governo voltou a se dedicar à elaboração de um plano nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto desde uma lei de 2012 e que nunca foi criado. A previsão é que o documento seja lançado em junho.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.