Ex-vereador do PSOL abonou ficha de suposto informante de Brazão sobre Marielle

Leonel Brizola Neto diz que assinou ficha de Laerte de Lima em 'filiação em massa'; miliciano foi indicado por liderança comunitária da zona oeste

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Rio de Janeiro

Leonel Brizola Neto, ex-vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro, foi o responsável por abonar a ficha de filiação ao partido de Laerte Silva de Lima, miliciano suspeito de ser "informante" da família Brazão sobre a atuação da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018.

A assinatura do ex-vereador, atualmente membro do PT, consta da ficha de filiação de Laerte Silva de Lima, miliciano que entrou no partido de Marielle 20 dias após a eleição de 2016, quando ela conquistou uma vaga na Câmara Municipal.

Homem de terno fala ao microgone num púlpito com o braço direito erguido e segurando um objeto metálico com a mãe esquerda
O ex-vereador Leonel Brizola Neto durante sessão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2017; ele foi o responsável por abonar a ficha de filiação de suposto 'infiltrado' no PSOL no caso Marielle Franco - Renan Olaz - 16.mar.17/Divulgação/CMRJ

De acordo com a delação do ex-PM Ronnie Lessa, Laerte era o responsável por passar informações sobre a atuação de Marielle para o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão e o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido). Os dois são acusados de serem os mandantes do crime. Eles negam.

Laerte e outras pessoas foram presas em 2019 sob suspeita de integrar grupo miliciano de Rio das Pedras. Ele foi condenado a sete anos de prisão por organização criminosa —no processo, sua defesa nega envolvimento. A região é o berço das milícias do Rio de Janeiro e área na qual a família Brazão "é eleitoralmente soberana", diz a Polícia Federal.

Dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que Laerte se filiou ao PSOL em novembro de 2016, informação revelada pela revista Veja em 2020. A PF reproduziu em seu relatório uma ficha de filiação no partido, cuja data é abril de 2017. Não há no documento uma explicação sobre a divergência de datas.

A assinatura do abonador é de Leonel Brizola Neto, à época vereador no Rio de Janeiro pela sigla. Ele afirmou que Laerte assinou a ficha em meio a uma "filiação em massa".

"Era ano de disputa partidária e a gente faz filiação em massa. Como o PSOL é um partido muito democrático, ganha internamente quem tem mais votos. Foi nesse contexto. Não sabia quem era", disse ele.

O ex-vereador minimizou a atuação de Laerte dentro do PSOL. Ele chamou o episódio de "tentativa de infiltração". "Não tem como participar se fato de é um estranho no ninho."

A ficha apresenta como "militante responsável pela filiação" o nome de Pedro Paulo Figueiredo Pereira, conhecido como Dom Pepito. A PF o indica equivocadamente como "abonador" da ficha.

O militante responsável pela filiação não é necessariamente integrante da sigla, mas alguém que participa de atividades políticas ligadas ao partido.

Dom Pepito foi presidente de uma associação de moradores de Guaratiba (zona oeste). A PF incluiu no relatório sobre o caso fotos dele participando de atividades de campanha ao lado da vereadora Luciana Boiteux (PSOL), que em 2016 foi candidata a vice-prefeita na chapa que tinha como cabeça Marcelo Freixo.

Leonel Brizola Neto disse que mantinha há anos contatos políticos com Dom Pepito, a quem descreveu como "um petebista, getulista e brizolista". "Era artista de circo, uma figura muito popular em Guaratiba. Ele me ajudava nas campanhas."

A PF levantou suspeitas sobre o envolvimento de Dom Pepito em atividades do PSOL em razão de seu posicionamento político público antes e depois daquela eleição.

Em 2008, ele foi candidato a vereador pelo Prona, partido fundado por Enéas Carneiro, de direita. Em suas redes sociais, ele também criticou a atuação de Freixo, bem como o enfoque da polícia na elucidação sobre a morte de Marielle e seu motorista Anderson Gomes.

Também chamou a atenção da polícia o fato de ele ter recebido uma ligação da Câmara Municipal na tarde do dia do duplo homicídio.

Procurado, Dom Pepito não retornou às ligações da reportagem.

Leonel Brizola Neto disse ter cobrado o líder comunitário sobre a filiação de Laerte assim que o PSOL lhe comunicou do fato —data que não soube precisar.

"Ele disse que não sabia quem era, que foi um vizinho que trouxe. Aquela coisa de conseguir mais filiados e mostrar serviço", disse o ex-vereador.

Lessa não mencionou Dom Pepito em sua delação. Ele afirmou que Brazão lhe relatou que recebia as informações de Laerte sobre a atuação de Marielle contra novos loteamentos em áreas de milícia. De acordo com a PF, a iniciativa atrapalhava os negócios de Domingos e Chiquinho.

O ex-PM, porém, afirmou à PF que Laerte pode ter "enfeitado o pavão", ampliando a atuação da vereadora.

"Então, mencionou-se que, por conta de alguma animosidade, haveria um interesse especial da vereadora em efetuar este combate nas áreas de influência dos Brazão, dado que seria oriundo das ações de infiltração de Laerte. Nesse momento, ponderou-se a possibilidade de que este poderia ter sobrevalorizado ou, até mesmo, inventado informações para prestar contas de sua atuação como infiltrado", ressalta a PF.

Em sua delação, Lessa disse que Laerte teria levado "os irmãos ao equivocado superdimensionamento das ações políticas de Marielle Franco nesta seara", acrescentaram os investigadores.

O PSOL afirma que Laerte não se aproximou de Marielle, nem obteve informações privilegiadas. O presidente do PSOL-RJ, Flávio Serafini, disse que o partido não permite que nenhum diretório municipal faça filiações de forma independente.

"O PSOL no Rio de Janeiro tem um critério de filiação mais rígido. Toda filiação passa pelo crivo do diretório estadual", disse ele.

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